sábado, 8 de setembro de 2018

A Praça Pedro II



Diogo Guagliardo Neves*




Celebra-se em 7 de Setembro, data magna da Nação, o que seria o ato principal de sua Independência em relação a Portugal – o Grito do Ipiranga –, protagonizado pelo príncipe Pedro de Alcântara às margens daquele regato da então Província de São Paulo, em 1822. Já em São Luís, a data antecede outro importante feriado: o que rememora a fundação da cidade pelos franceses em 1612.

Não há, então, época mais propícia para a entrega de uma das mais importantes obras de requalificação de bens culturais da capital maranhense: a praça Pedro II. Conduzida pela Prefeitura de São Luís, durante a administração do sr. Edivaldo Holanda Júnior, ela devolverá restaurada, aos Ludovicenses, a estátua da “Mãe-d’água Amazonense”, obra em bronze produzida em 1940 e último trabalho de Newton Sá, escultor nascido em Colinas em 1908, que faleceria ao final daquele ano.

O logradouro em questão, bem defronte a Igreja da Sé, e indo até o parapeito donde se mira a foz dos rios Anil e Bacanga, é circundado pelos prédios que simbolizam (ou simbolizavam) os poderes públicos: o próprio templo, o principal da Igreja Católica no Maranhão, e que no início dos Oitocentos hospedou em suas dependências a Assembleia Provincial (atualmente Legislativa); a Casa de Câmara e Cadeira, hoje Palácio Daniel de La Touche, que sedia a governança da municipalidade e que antes também era a dos vereadores; à sua frente o Tribunal de Justiça e, mais adiante, o Palácio dos Leões, onde habita o governador do Estado.

Poucos sabem, no entanto, o porquê da praça chamar-se Pedro II.

Com efeito, a monarquia brasileira foi abolida por um golpe – que também se transformaria em feriado – no dia 15 de novembro de 1889, tocado por alguns militares que desejavam novo regime em que pudessem participar da política, motivados por ex-escravocratas rancorosos com a Lei de 13 de Maio de 1888 e outros setores modernizantes que acreditavam que para o Brasil virar uma espécie de Estados Unidos dos trópicos, bastava instalar a “República”. O fim da monarquia, porém, marcaria o começo da primeira ditadura da história pátria.

De fato, o país não conheceria o lema posto na nova bandeira: “Ordem e Progresso”. A Crise do Encilhamento trouxe a inflação, até então coisa desconhecida, a Guerra de Canudos e o cangaço nos sertões, o surgimento das favelas, a não integração do negro à sociedade e a falta de liberdade, essa solapada por sucessivos governos de oligarquia, cujos interesses não eram outros senão os altos privilégios fornecidos pela República.

A insatisfação popular aliada ao primeiro centenário da Independência, fez ressurgir, em meados da década de 1910, a memória do extinto monarca morto em 1891, quase esquecido por todos, num modesto quarto de hotel em Paris.

D. Pedro II, referência de moral, foi avesso a luxos. Chamado de “O Imperador Cidadão”, durante seus mais de cinquenta anos de reinado, proibiu que a Assembleia Geral do Império (o atual Congresso Nacional) reajustasse seu “salário”, sob a alegação de que o dinheiro não era exatamente seu, mas público, e que por isso deveria ser gasto apenas com o estritamente necessário. Mesmo assim, da própria remuneração custeava o estudo de jovens e o trabalho de cientistas. Ele e sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina (cujo nome batizou a segunda maior cidade do Maranhão e a capital do Piauí), contribuíram sobremaneira para formar o acervo do Museu Nacional, inteiramente perdido, após anos de descaso, no incêndio do dia 2 de setembro último. 

Maneira tal que diversos espaços públicos nas principais cidades ou passaram a ostentar monumentos em honra de sua pessoa, ou adotaram seu nome. Em 5 de fevereiro de 1911, Petrópolis entrega a estátua do Imperador (autoria de Jean Magrou, o mesmo  daquela de João Francisco Lisboa, que se encontra no Largo do Carmo); A 7 de setembro de 1913 foi inaugurada uma na capital do Ceará, defronte à Catedral de Fortaleza, e no início dos anos 1920, a Praça da Independência em Belém do Pará torna-se Praça D. Pedro II.

O Presidente da época, Epitácio Pessoa, revogou, em janeiro de 1921, o decreto de banimento da família imperial, o que então possibilitou a vinda dos restos mortais do Imperador e da Imperatriz, e o retorno do Conde d’Eu para a principal comemoração do Centenário, mas infelizmente, já bastante idoso, sucumbiu durante a viagem de navio. A Princesa D. Isabel, que seria a estrela do evento, faleceu mesmo na Europa meses antes, sem poder rever em vida a própria terra.

Os ventos do reconhecimento e da memória chegaram ao Maranhão, e foram personificados no centenário do Imperador a 2 de dezembro de 1925.  A edição n.º 177 do jornal O Combate noticiou: “Está despertando interesse a comemoração, aqui, do centenário do grande brasileiro, que foi D. Pedro 2º”. Começaria a festividade durante a alvorada com salva de foguetes e missa campal às sete da manhã em frente ao Palácio Episcopal, celebrada pelo Arcebispo D. Otaviano Pereira de Albuquerque, informando logo que a Avenida Maranhense passaria a “ter o nome do homenageado” a partir daquele dia. Na programação são citados desfiles cívicos de estudantes, operários do comércio e indústria em volta da Pedra da Memória (naquela época ainda não localiza na Avenida Beira-Mar), sob a guarda da força armada policial, matinées, recitais de poesia, dentre outras atividades conduzidas por personalidades importantes da cidade, como a educadora Rosa Castro. Posteriormente, o periódico informava da incorporação ao evento do 24º Batalhão de Caçadores e do apoio da classe empresarial. Todas as embarcações estacionadas no porto de São Luís “embandeirarão em arco durante o dia”, incluso o destroier “Amazonas”, da Marinha do Brasil.

O natalício do Imperador foi declarado feriado e rebatizado o espaço, conforme a nota: “A Câmara Municipal em sessão de ontem decretou feriado o dia de amanhã bem como a lei que manda substituir o nome de Avenida Maranhense pela de D. Pedro Segundo, atos esses que foram ontem mesmo sancionados pelo prefeito municipal”.

O Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM, fundado naquele mesmo ano, teve papel importantíssimo nessa memorável homenagem pública. Um de seus cofundadores, o padre Arias Cruz, proferiu belo discurso em deferência ao Imperador após a celebração religiosa. Mas não só. Ali ocorreria a primeira reunião da entidade na sede da Câmara Municipal, às dez horas, com o mesmo propósito.

Foram palavras do orador católico: “E D. Pedro II, meus amigos, nasceu para perdoar: não sabia ter resentimentos, não aprendera a guardar rancor. ‘Sofreu ingratidão, injúrias, decepções tremendas – escreve um dos seus intimos – viu-se de repente despojado do trono, expulso da Pátria como um réprobo, privado de tanto quanto amava, de tudo aquillo a que se achava acostumado!... E nunca uma recriminação, uma queixa, uma expansão menos majestosa, que de leve lhe desconcertasse a serenidade olímpica da compostura!...’ Coisa difícil, conterrâneos meus, o exercício da tal fineza; é predicado que a mui poucos singulariza, e com alarmante escassez em nossos dias. Aquele que não encontra obstáculos em remittir, manifesto é que nenhum estorvo o detém na desobriga de quaisquer outros mandamentos cristãos.”

Nascia, assim, a 2 de dezembro de 1925, a praça (D.) Pedro II, em plena comemoração àquele que é, sem dúvida, a maior referência da ética pública, desprendimento e civismo da História do Brasil. Acerta a municipalidade de São Luís em devolver reformado aos habitantes da urbe, sob o balançar das altas folhas das palmeiras imperiais, tão significativo logradouro, mais ainda nesta época obscura e triste, em que o legado dos monarcas e de todo um povo é literalmente lançado nas chamas.





* Advogado, historiador e membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM.