Do Site da Revista Galileu
Por João Mello
|
Mumificação de Dona Amélia era desconhecida |
A História
do Brasil está sendo exumada. O corpo de Dom Pedro I e das duas mulheres que
ele teve durante a vida foram retirados da cripta em que estavam para serem
submetidos à uma análise tão meticulosa quanto à tecnologia atual permite. Esse
é um daqueles raros momentos que obrigam os próximos livros de História a serem
revistos e reeditados.
Mas
o que foi descoberto de tão novo? Bastante coisa. O que mais chamou atenção dos
pesquisadores foi o fato de haver uma múmia entre os cadáveres. Dona Amélia,
segunda mulher de Dom Pedro, foi mumificada antes de ser enterrada – fato que
não consta em nenhum registro histórico até então. Unhas, globos oculares,
cabelos, cílios... tudo está ali, tudo tão bem conservado que ela já é apontada
como uma das múmias bem preservadas do Brasil. Até o seu útero resistiu ao
tempo. Os historiadores creditam a excelente preservação a um pequeno corte na
jugular da imperatriz: foi através dele que aromáticos como cânfora e mirra
foram despejados, retardando a decomposição. A urna em que ela foi sepultada
foi lacrada de maneira tão hermética que os microrganismos simplesmente não
foram capazes de deteriorar sua carne.
|
Arqueóloga Ambiel, trabalhando na exumação |
O
trabalho, sem precedentes no Brasil, é fruto da obstinação de uma mulher:
Valdirene do Carmo Ambiel convenceu os descendentes do imperador a liberarem a
exumação em 2010 e desde então vem estudando os corpos no local onde eles
estavam enterrados, uma cripta no Parque da Independência, na zona sul de São
Paulo. Na apresentação da sua dissertação de mestrado no Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo, Valdirene mostrou ao mundo o resultado
da pesquisa.
|
Dom Pedro I |
Outro
fato curioso é que nosso primeiro imperador não levou para a posteridade nenhum
adereço que remetesse no país. Para todos os fins, ele foi enterrado como um
militar português: todos os adereços encontrados em seu caixão faziam
referência exclusivamente à Portugal. O cadáver de Dom Pedro I também deflagra
uma obsessão por velocidade, cavalos e acidentes. Ele apresenta fraturas em quatro
costelas, decorrentes de imprevistos com carruagens nas ladeiras do Rio de
Janeiro. Dona Amélia passou os últimos 137 anos segurando uma cruz de metal
entre os dedos. E Dona Leopoldina, a primeira esposa do monarca, com quem teve
sete filhos, não era gordinha como os quadros históricos e o imaginário
nacional acreditavam, sua ossatura indica uma pessoa esguia, que ganhou a fama
devido às nove gestações seguidas (dois filhos do casal tiveram que ser
abortados).
|
Restos mortais de D. Pedro I sendo examinado |
A
análise dos corpos no Hospital das Clínicas, em São Paulo, teve ares
cinematográficos. O transporte foi feito durante três madrugadas e, chegando ao
hospital, os três eram submetidos a sessões de tomografia e ressonância
magnética – os médicos até tiveram que preencher uma ficha cadastral pra cada
um. Com a repercussão positiva da exumação, o plano é ousar. Os cientistas
envolvidos cogitam a possibilidade de analisar o DNA do trio – um instituto
americano já foi contactado e o processo deve custar cerca de 40 mil dólares e
demorar até 6 meses para ser finalizado. O futuro também guarda a parte mais
surreal do projeto: reconstruir os seios da face, a laringe, a faringe, a
amplitude do pulmão e a caixa torácica de Dom Pedro I para reconstituir o
timbre exato de sua voz.