terça-feira, 16 de outubro de 2012

A FUNDAÇÃO DE SÃO LUÍS: mitos e historiografia



Euges Silva de Lima*




1  INTRODUÇÃO

Pesquisar sobre os mitos que permeiam a historiografia maranhense é hoje uma tarefa cada vez mais necessária aos historiadores. Estudar o mito fundador da cidade de São Luís e suas conexões historiográficas, torna-se relevante, na medida em que constitui-se um tema privilegiado para se refletir com quais concepções da história do Maranhão forjou-se sua historiografia, principalmente a do século XX. Esta, notadamente de caráter passadista, calcou-se na busca de uma identidade regional marcada pelo traço da singularidade.
O presente artigo, traz como objeto de estudo, a questão do mito fundador da cidade e suas representações. Busca-se abordar a importância e implicações da historiografia na construção de mitos relacionados à fundação de São Luís, por meio de invenção de tradições, socialmente, culturalmente e historiograficamente construídas.
Contribuição importante sobre esse tema foi dada pela historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, em 2000, com a publicação do livro “A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos”[1], onde retoma uma antiga polêmica, há muito esquecida: o questionamento da fundação francesa da cidade. A autora rompe com a historiografia oficial do século passado, retirando dos franceses que aqui estiveram de 1612 a 1615, o mérito da fundação da cidade e atribuindo-o aos portugueses. Como indica o título da obra, ela classifica de mítica a ideia de uma São Luís fundada por franceses e o faz baseada na leitura atenta da historiografia do século XVIII e XIX. 
Embora não discorra sobre um tema totalmente inédito, Lacroix, o faz de uma maneira nova, buscando os por quês, os franceses que aqui estiveram nas primeiras décadas do século XVII e que foram vistos pelos cronistas e primeiros historiadores até o século XIX como meros invasores, de repente passam a serem considerados pelos historiadores do século XX como legítimos fundadores da cidade. É através desse problema que a autora buscou explicar quando, como e por que a cidade deixou de ter uma origem lusitana para ter uma origem francesa.
Em artigo publicado no Diário Oficial do Estado do Maranhão[2], em 24 de novembro de 1911, intitulado “Fundação do Maranhão”, o historiador José Ribeiro do Amaral, lança uma nova visão sobre a fundação da cidade, considerando-a fundada pelos franceses em 1612 e ignorando toda historiografia produzida até ali que via a fundação a partir da colonização portuguesa, iniciada em 1616: “A Cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão, é uma cidade de origem absolutamente francesa, ocupando ainda hoje, o mesmo lugar escolhido por seus fundadores.” (AMARAL, 2003, p. 39)

2  A VERSÃO CLÁSSICA DA HISTORIOGRAFIA

Embora a versão que a cidade de São Luís teria sido fundada por franceses, no início do século XVII, já tenha quase cento e um anos, ela é a mais recente, a rigor, não é a versão clássica da historiografia maranhense sobre a fundação da cidade, no sentido de ser a mais antiga. É necessário salientar que até o início do século XX, era consenso entre os historiadores que a cidade de São Luís teria sido fundada por Jerônimo de Albuquerque, em 1616, após a expulsão dos franceses por Alexandre de Moura.
O primeiro a escrever uma história do Maranhão, foi Bernardo Pereira de Berredo, governador da província do Maranhão entre 1718 a 1722 e que teve sua obra publicada em Lisboa, no ano de 1749, com o título “Anais Históricos do Estado do Maranhão”. Ele se respaldou numa vasta e variada documentação dos séculos XVII e XVIII para escrever seu livro, inclusive muitos deles, manuscritos originais da época da conquista do Maranhão por Jerônimo de Albuquerque e Alexandre de Moura, conseguidos na grande biblioteca do Conde de Ericeira. Nesse sentido, veja qual é a visão de Berredo no século XVIII sobre a fundação da cidade:

Logo que o General Alexandre de Moura saiu da baía do Maranhão, aplicou Jerônimo de Albuquerque o principal cuidado à útil fundação de uma cidade naquele mesmo sítio, obra de que também se achava encarregado por disposição da corte de Madri. (BERREDO, 1988, p. 116)

Após Berredo, todos os cronistas e historiadores, do século XVIII, XIX e até o início do século XX, vão basicamente seguir esta mesma visão acerca da fundação da cidade de São Luís, sejam eles de origem portuguesa, brasileiros e até mesmo de outras nacionalidades, como é o caso de Gaioso, que era argentino, porém residia no Maranhão.
Fazendo um breve apanhado dessa historiografia clássica sobre o Maranhão, observa-se o consenso que havia entre esses autores sobre a fundação portuguesa da cidade, sua data de fundação e seu pai fundador. Não se percebe nenhuma dúvida relativa a isso, ao contrário, verifica-se um olhar consolidado da historiografia regional, que foi encampado por nomes como, Gaioso, João Lisboa, César Marques, Barbosa de Godóis, entre outros.

Crônica da Companhia de Jesus no Maranhão [1738]:

Desassombrado Jerônimo de Albuquerque de Alexandre de Moura, deu princípio uma cidade em o mesmo sítio em que os franceses tinham o seu forte. (CARVALHO, 1995, p.90)

Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão [1818]:

Fundação da cidade do Maranhão:

Livre o Maranhão n’aquele dia de toda a sugeição franceza, aplicou Jeronimo de Albuquerque todo o seu cuidado na fundação de huma cidade n’aquelle mesmo. (GAIOSO, 1970, p. 73)

Poranduba Maranhense:

Jerônimo de Albuqueque fundou logo junto á fortaleza de São-Luiz uma cidade. (PRAZERES, 1891[1819], p. 42)

Jornal de Tímon [1858]:


1615 – Lançado fora os franceses, Alexandre de Moura, capitão-mor da armada que ultimou a conquista, nomeou a Jerônimo de Albuquerque, que a tinha começado , por capitão-mor do Maranhão, e a Francisco Caldeira Castelo Branco, com igual patente, para o descobrimento e conquista do Pará [...] Tanto um quanto outro fundaram pacificamente, e sem oposição dos naturais, as duas cidades de S. Luís, e de Belém. (LISBOA, s/d, p. 13)

Semanário Maranhense (1867):

Retirando-se para Pernambuco Alexandre de Moura em 9 de janeiro de 1616, Jeronimo de Albuquerque volveo suas vistas para a fundação e edificação da capital dando-lhe nova forma e ordem. (MARQUES, 1867, p. 2)

Barbosa de Godóis, em sua História do Maranhão para uso dos alunos da Escola Normal, publicado em 1904, obra panorâmica sobre a história do Estado, que apesar da finalidade didática na época foi visto depois como uma importante fonte de pesquisa por várias gerações de historiadores, aborda assim o tema da fundação de São Luís:

De posse do Governo do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens que recebera da Corte de Madri, tratou com solicitude da fundação da cidade, que pôs sob a proteção da Senhora da Vitória, dando-lhe todavia o nome de São Luís, que os franceses haviam posto ao seu forte. (GODÓIS, 2008, p. 138)  
                                                                    
                   Para o autor, quem é considerado o fundador da cidade não é o fidalgo Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, mas sim o mestiço pernambucano, Jerônimo de Albuquerque[3], filho de índia mais pai português. Em seu livro não demonstra qualquer sinal de controvérsia ou dúvida acerca da fundação de São Luís, para ele é ponto pacífico a origem lusitana da cidade. Evocando os frades cronistas franceses que aqui estiveram em 1612, diz o seguinte:
Cláudio d’Abbeville, descrevendo que o lugar em que os franceses construíram o forte, mais tarde nominado São Luís, é tão preciso nas suas palavras, que admira como, em face do seu testemunho presencial, haja quem, conhecendo a ilha de São Luís, alimente dúvidas a respeito da posição escolhida pelos invasores para a montagem de sua fortaleza. (GODÓIS, 2008, p. 100)


Os franceses são, portanto, vistos pelo autor, não como fundadores, mas como meros invasores. A cerimônia do 8 de setembro de 1612, entre franceses e tupinambás, na ilha de Upaon-açu, foi por Barbosa de Godóis ( 2008, p. 101), descrita assim:

[...] fizeram construir uma grande cruz de madeira, para ser em procissão transportada ao forte, onde deveria ser levantada como símbolo da tomada de posse do território, no interesse da religião do Crucificado, e da aliança entre indígenas e a mesma religião.       
Em seu livro “Cerimônias de Posse na Conquista Européia do Novo Mundo”, a historiadora inglesa Patrícia Seed, corrobora com a idéia de Godóis. Faz uma acurada análise de todas as cerimônias das principais metrópoles européias ao desembarcarem na América entre 1492 e 1649. No caso do Maranhão, ela se refere assim à procissão do 8 de setembro de 1612:
Após quase seis semanas dessas demonstrações de aprovação nativa, os franceses encenam o primeiro de dois rituais de posse política. Como naquela miniatura de cerimônia de chegada na pequena ilha de Sainte Anne, os elementos centrais foram uma procissão e a colocação de uma cruz. (SEED, 1999, p. 64, grifo nosso)
É importante ressaltar que a visão aqui explicitada de Barbosa de Godóis, em 1904, sobre a fundação de São Luís, não representa uma leitura nova sobre o tema, ao contrário, expressa a visão tradicional, desenvolvida desde os séculos XVIII e XIX, portanto, já consolidada. Era a visão corrente até esse início de século XX.

3  A FUNDAÇÃO FRANCESA, UMA TRADIÇÃO INVENTADA

A mudança da visão tradicional a respeito da fundação da cidade passa a ganhar outra versão a partir dos artigos e depois do livro “Fundação do Maranhão”, respectivamente entre os anos de 1911 e 1912, escritos pelo historiador maranhense, Ribeiro do Amaral, autor de vários estudos sobre a história do Maranhão, membro fundador da Academia maranhense de letras, professor do Liceu maranhense e diretor da Biblioteca Pública. É esse autor que muda completamente a tradição historiográfica sobre a fundação de São Luís que vinha sendo aceita até 1904.
Em 1911, Ribeiro do Amaral, numa coluna do Diário Oficial do Estado do Maranhão, publicada às sextas-feiras, intitulada “O Maranhão Histórico”, onde discorria sobre temas relativos à história do Estado, escreveu dois artigos, desconsiderando toda a tradição historiográfica sobre a fundação da cidade. Suscitando uma nova versão. No primeiro artigo, escrito em 17 de novembro de 1911, comparando as ocupações holandesas e francesas, diz o seguinte: “Os franceses levantaram, os holandeses derrubaram; os franceses deram começo à fundação da cidade e à construção dos primeiros edifícios que aqui houve, alguns dos quais ainda hoje duram.”(AMARAL, 2003, p.36)
No segundo, escrito em 24 de novembro de 1911, com o título “Fundação do Maranhão”, portanto, bastante sugestivo; o autor pormenoriza mais os principais momentos que compuseram a chegada e a instalação dos franceses em terras tupinambás e principalmente procede a uma releitura da cerimônia do 8 de setembro descrita por Claude D’Abbeville:
São decorridos 299 anos das cenas que, aqui, ligeiramente ficam descritas, mas ao percorrer ainda hoje aquelas páginas de Cláudio de Abbeville na sua História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão, como que nos parece vê-las renovarem-se aos nossos olhos, tão viva e tão verdadeira que pode e deve ser considerada como o auto da fundação da cidade. (AMARAL, 2003, p. 45)
Segundo Lacroix, é em 1912 com o livro “Fundação do Maranhão” que os fundamentos da nova interpretação de Ribeira do Amaral são lançados. Embora essa obra represente de certa forma um marco para essa nova interpretação, escrita com o objetivo de comemorar as efemérides do suposto terceiro centenário da cidade, a rigor, a gestação dessa nova interpretação nasce um pouco antes, não com a publicação do livro “O Estado do Maranhão em 1896” como ela afirmara, pois ali Ribeiro do Amaral se refere à povoação e colônia e não à cidade, abordagens, portanto, diferentes.
É precisamente em 1911, como foi demonstrado, a partir desses artigos antecessores ao livro “Fundação do Maranhão” que o autor começa a gestar de fato, sua releitura da descrição de Abbeville do 8 de setembro, agora não mais como um ato de posse e afirmação da ocupação francesa nas terras americanas tão somente, mas na nova perspectiva de Amaral: dia, mês e ano do nascimento da cidade. Uma “renovada” visão das cerimônias e seus (re) significados, sendo agora os franceses, vistos como pais fundadores e não como invasores, como constava na historiografia anterior.
No ano seguinte, estimulados pelo artigo do historiador, o então governador do Maranhão, Luís Domingues e a sociedade ludovicense se mobilizam para comemorar uma tradição que já começara com trezentos anos, ou seja, o aniversário de tricentenário da cidade.
Verifica-se, portanto, a partir daí, o surgimento e a tentativa de estabelecimento de uma nova tradição para a cidade, a comemoração de sua fundação – algo sem precedentes - agora não mais de origem portuguesa, mas de origem francesa. Nota-se aí, um processo iniciado de invenção de uma tradição, forjada recentemente pelo autor, gestando-se um dos mitos mais marcantes da nossa historiografia, a fundação francesa de São Luís. Sobre a invenção de tradições ligadas a uma origem francesa, relata Lacroix (2008, p. 96):
 A nova interpretação ficou ligada a um passado imemorial, mítico. A idéia da tradição francesa foi se avolumando no momento da formação republicana, em que símbolos, imagens e alegorias criadas pelas elites buscavam alicerçar sentimentos de coesão. Os mitos, assim como heróis, hinos e bandeiras conquistaram o imaginário republicano e cada região procurou firmar suas identificações.


Neste sentido, como referencial para explicação do problema, utilizamos o conceito de “tradição inventada” [4] que “entende-se [como] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas [...] através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado [...] histórico apropriado” (HOBSBAWM e RANGER, 2006, p. 9).
A mudança de versão sobre fundação da cidade engendrada por Ribeiro do Amaral, não há dúvida, encontrou eco nas gerações seguintes de historiadores maranhenses, reafirmando-se assim o mito da fundação francesa, sem contestar, embora, observa-se de forma esporádica, inseguranças, como é o caso de Crisóstomo de Sousa nos anos de 1940. “Ele confessa estar, no assunto perdido num mar de dúvidas, com a bitácula apagada. Não sabe se São Luís foi fundada a 8 de setembro de 1612, ignora se o fundador da cidade foi Francisco de Rasilly ou Daniel de La Touche” (LOPES, 1973, p. 5)
1962 é o segundo momento importante de reafirmação do mito, onde este reaparece com muita força. Comemoram-se nesse ano os 350.º aniversário da “fundação francesa” da cidade[5], com toda pompa e circunstância, são oito dias de comemorações oficiais, com atividades culturais, cívicas, desfiles etc.. Mário Meireles, historiador de grande importância no contexto da historiografia maranhense, autor de uma vasta bibliografia sobre História do Maranhão, termina por ir à esteira de Ribeiro do Amaral, contribuindo para transformar uma versão mítica em “verdade” histórica. Em sua Pequena História do Maranhão, ele afirma:
Daniel La Touche, Senhor de La Ravardière, foi o chefe da expedição dos franceses, eram êles cerca de quinhentos homens e vieram em três navios – “Regente”, “Carlota” e “Sant’Ana”. Aqui chegando, La Ravardière fundou a cidade de São Luís, que é a capital do Maranhão, no dia 8 de setembro de 1612.  (MEIRELES, s/d, p.14)
Astolfo Serra, em seu Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão, no capítulo relativo à ocupação francesa, assim se expressa: “É dos capítulos            mais bonitos da história da cidade; talvez o seu mais belo colorido sentimental, o de ter sido fundada por franceses. Constitui esse acontecimento motivo de orgulho para os sanluisenses, que o invocam, sempre com ênfase, e com prazer dessas origens de sua cidade” (SERRA, 1965, p. 37). 
Nota-se a partir daí que a idéia de uma cidade fundada por franceses, portanto, com origens supostamente singulares, de um passado histórico vinculado à nobreza francesa do seiscentos, encontra-se completamente consolidada, pelo menos na visão dos historiadores e intelectuais. Os anos de 1960 são de fato imperativos na construção mítica da fundação da cidade.

4  QUESTIONANDO O MITO 

O século XX é um período fértil de construção do mito da fundação francesa, onde ele se gesta e se desenvolve, além de eventualmente ter sido questionado. Em fins do século passado e início deste, verifica-se o momento de seu maior questionamento, em grande medida pelos estudos da professora Lacroix. É precisamente nessa virada de século que os mitos relativos à fundação da cidade ficam mais expostos e sujeitos a novas leituras e desmitificações.
No final dos anos de 1970 e início de 1980, o mito da fundação francesa começa a ser questionado. José Moreira, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e que assinava uma coluna nos jornais O Estado do Maranhão e O Imparcial, denominada de “História da nossa História”, embasado na historiografia maranhense dos séculos XVIII e XIX, passou a escrever vários artigos durante esse período, chamando atenção para inconsistência da fundação da cidade pelos franceses, causando, inclusive certa repercussão na imprensa. 
Em 1993, Olavo Correia Lima, sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e professor de Antropologia da Universidade Federal do Maranhão, é o primeiro autor a usar o conceito de mito para designar a consagrada historiografia que defendia a origem francesa da cidade. Em artigo denominado “Duas Controvérsias Científicas”, ele o classifica de o mito capital da história do Maranhão. Para ele, a historiografia maranhense “vem repetindo-se erros dantanho, sem a devida aferição da Pesquisa Histórica e até pela Crítica Científica. É natural que esteja recheada de mitos, a começar pela fundação de São Luís, que representa, por sua vez, um dos primeiros passos históricos do Maranhão” (CORREIA LIMA, 1993, p. 81).
                   Quando a controvérsia da fundação de São Luís parecia estar esquecida, a polêmica reaparece com toda força, com a publicação em 2000 do livro “A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos”, da historiadora Lacroix. Embora a contestação do mito não fosse exatamente inédita, como foi ressaltado, no entanto, dessa vez, veio de uma forma mais sistemática, através de um livro, algo inédito sobre o tema. Investigava mais a fundo o que estava por trás dessas construções míticas relativas à fundação francesa da cidade e buscava responder os por quês da virada historiográfica operada por Ribeiro do Amaral nas primeiras décadas do século XX.
Lacroix chama atenção para a mudança de versão na historiografia sobre a fundação da cidade, deixando de ser de origem portuguesa e passando a ser de origem francesa, a partir das primeiras décadas do século XX. No entanto, para além da controvérsia da fundação, se de origem francesa ou portuguesa, sua contestação, assumiu uma dimensão maior, pois suscitou o debate e a reflexão acerca dos mitos e símbolos que subjazem nossa historiografia. Nesse sentido, assinala Flávio Reis (2002):
A felicidade na formulação não estava em simplesmente recolocar uma antiga questão controversa na mesa, como se fosse o caso apenas de contrapor uma versão “verdadeira” a outra mítica, e sim em fazê-lo de uma maneira que obrigava a pensar exatamente nessa criação de símbolos afirmadores de um passado singular.



5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se usar a expressão “mito fundador” é importante esclarecer o que está se entendo por isso. Primeiro, o termo “mito”, aqui, não é usado somente no seu sentido etimológico, grego, “mythos”, no sentido de narração pública de feitos lendários e imemoriais, mas, sobretudo no seu sentido antropológico, onde essa narrativa funciona como solução imaginária para tensões, conflitos, contradições que não encontram maneiras de serem resolvidos no âmbito da realidade. Neste sentido, dizemos que é um mito fundador porque o mito estabelece uma ligação interna com o passado como origem, ou seja, um passado que não termina nunca, que se mantém permanentemente presente e, portanto, não permite o exercício da diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal. O mito é um “impulso à repetição de algo imaginário, que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede de lidar com ela”. (CHAUÍ, 2000, p. 9) 
O problema em estudo reside em se explicar, como o mito fundador da cidade se constituiu enquanto invenção histórica, enquanto construção cultural e suas conexões com a historiografia.
É a elite decadentista ludovicense do início do século XX, influenciadas pelo galicismo então em voga no mundo, que procede a construção e invenção do mito fundador da cidade que agia também como reforço a outro, mais antigo, o mito da Atenas Brasileira. Neste sentido, a transição da versão histórica dos séculos XVIII e XIX para versão mítica do século XX da fundação de São Luís, deve ser compreendida a partir da necessidade que as elites intelectuais maranhenses tinham de se sentirem diferentes, únicas, em relação ao resto do país.
O livro de Lacroix, permitiu-nos perceber o quão frágil é a historiografia maranhense do século XX, construída a partir de uma concepção da história do Maranhão representativa de uma visão acalentada em que a identidade do Estado estava marcada pela afirmação de um passado glorioso, pela idéia de singularidade[6] do Estado e seu povo. Ao estudar a criação do mito da fundação francesa, a autora, acabar por desvelar o traço narcísico e passadista que permeia a historiografia maranhense do século passado, resultando dessa percepção da história do Maranhão as construções e invenções míticas e simbólicas. Sendo assim, as implicações contidas no seu livro, vão além da querela da fundação da cidade e apontam para uma revisão da historiografia maranhense.



REFERÊNCIAS
  
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* Professor de história das redes públicas estadual do Maranhão e municipal de São Luís, especialista em Teoria e Metodologia para o Ensino da História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM).

[1] Utilizamos a 3.ª edição, revista e ampliada, publicada pela Editora da UEMA, São Luís, 2008.              
[2] Esse e outros artigos do historiador Ribeiro do Amaral, publicados originalmente entre 1911 e 1912 no Diário Oficial do Estado do Maranhão, por ocasião do sesquicentenário do autor, foram reunidos e publicados pela coleção Geia de Temas Maranhense sob o título “O Maranhão Histórico”, São Luís: Instituto Geia, 2003.
[3] Sobre a primazia de Jerônimo de Albuquerque na fundação de São Luís, na obra Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil colonial. São Luís: UEMA, 2006, p.147, capítulo Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a Fundação de São Luís, a professora Lacroix faz uma revisão da historiografia dos séculos XVII – XX, onde Albuquerque Maranhão é visto como fundador pelos primeiros cronistas e historiadores do Maranhão.
[4] Ver Eric Hobsbawm ;Terence Ranger (orgs.) em A Invenção das Tradições, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4. ed. 2006.
[5] A comissão executiva dos festejos comemorativos era composta pelas seguintes autoridades e intelectuais: Governador Newton Bello, Prefeito Ruy Mesquita, Sec. de Educação José Carvalho, Sec. de Finanças Jesus Ribeiro, Prof. Mário Meireles, Prof. Ruben Almeida e Prof. Fernando Perdigão, entre outros. Ver 350.º ANIVERSÁRIO DA FUNDAÇÃO DE SÃO LUÍS: programa das comemorações. São Luís: Gráfica Industrial e Comercial LTDA, 1962.
[6] Lacroix usa o conceito de Ideologia da Singularidade para explicar o conjunto de idéias que estavam subjacentes ao mito da fundação francesa da cidade, ou seja, a necessidade que as elites intelectuais maranhense tinham de serem vistas como diferentes, únicas, singulares. Ver “A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos. 3.ª ed. São Luís: EDUEMA, 2008, p. 64 - 69.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Parabéns mestres !



                                                              
Neste 15 de outubro, a presidente do IHGM, professora Telma Bonifácio, em nome de toda a diretoria deste sodalício, vem prestar suas homenagens e felicitar a todos os professores e professoras que fazem cotidianamente a educação das crianças, jovens e adultos do Estado do Maranhão, em especial, aos queridos professores e professoras do nosso Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.

Um forte abraço !

Telma Bonifácio (Pres. do IHGM)