Do Blog História Hoje
Em
Minas Gerais, em 1788-89, sob os olhos de um governador recém-chegado de
Portugal, Furtado de Mendonça, ocorreu a Inconfidência Mineira, que registrou
articulações e motivações externas e internas ao mundo colonial. Entre as
primeiras, conta-se o encontro de um brasileiro, estudante em Montpellier, com
Thomas Jefferson.
Sob o pseudônimo de Vendek, o jovem José Joaquim Maia reuniu-se em segredo, na
cidade de Nîmes, com o enviado dos Estados Unidos à França, para pedir-lhe
apoio para uma insurreição. Embora falando em seu próprio nome, Jefferson respondeu-lhe que uma
revolução vitoriosa não “seria desinteressante para os Estados Unidos” e, sem
maiores promessas, apenas notificou as intenções de Vendeck ao Congresso.
Se
tal contato não teve maiores desdobramentos, ele revela que um número razoável
de estudantes brasileiros na Europa aproximara-se das chamadas ideias
iluministas. No Brasil, havia um ambiente propício às novas ideias entre
sacerdotes, militares, intelectuais e moradores de Minas. A capitania, que fora
durante muito tempo uma das fontes da riqueza colonial, possuía uma elite
constituída por homens instruídos. Para ficar num exemplo, no ano de 1786, 12
dos 27 brasileiros matriculados em Coimbra eram mineiros. Não se tratava de uma
ocorrência isolada: dos vinte e quatro envolvidos na Inconfidência Mineira,
oito lá haviam estudado. Tal gente se somava aos leitores locais, possuidores
de bibliotecas bem fornidas de livros proibidos e perseguidos pelo governo
português por seu conteúdo libertário. O cônego Luís Vieira era leitor de
Voltaire e Condillac; entre os futuros inconfidentes, como Tiradentes,
circulava um exemplar da obra “Recueil des lois constitutives des États-Unis de
l’Amérique”, publicada em Filadélfia, em 1778, contendo leis e artigos da Confederação.
Fatores
regionais e internos, sobretudo econômicos, vieram rapidamente somar-se aos
externos. O declínio da extração aurífera provocava violenta reação da
população, permanentemente obrigada ao pagamento anual do imposto de 100
arrobas de ouro (1.500 quilos) à Real Fazenda. Diante da resistência dos
mineiros, foi aprovada em 1750 a temida derrama, isto é, a cobrança forçada e
geral das arrobas deficitárias. Informa um historiador que em 1789, ano da
conspiração, o total em atraso era de 528 arrobas de ouro (quase 8 toneladas!)
e, para cobrá-las, o secretário de Estado Martinho de Melo e Castro havia
enviado enérgicas instruções. A essa causa, junte-se o péssimo governo que
tinha tido Minas, sob a batuta de Luís da Cunha e Menezes, o Fanfarrão Minésio,
contra o qual Tomás Antônio Gonzaga, ouvidor e poeta envolvido na conspiração,
escreveu as “Cartas Chilenas”.
Reunidos
em pequenos encontros secretos, os conjurados mais discutiam a teoria do que a
prática. Falou-se sem dúvida em independência, mas havia controvérsias sobre a
forma de governo a adotar; Álvares Maciel parecia republicano, enquanto o
cônego Vieira era monarquista. A abolição da escravidão também gerava dúvidas:
uns eram a favor e outros contra. O programa mais revelava os impulsos imediatos
e, sobretudo, regionais que tinham levado esse grupo a se afastar da Coroa
Portuguesa. Os regulamentos da exploração diamantífera seriam abolidos.
A
exploração de jazidas de ferro e salitre, assim como a instalação de
manufaturas, seria estimulada. Erguer-se-ia uma fábrica de pólvora e uma
universidade em Vila Rica, assim como se procederia transferência da capital
para São João del-Rei. Todas as mulheres que tivessem certo número de filhos
receberiam um prêmio do Estado. Não haveria exército permanente, mas todos os
cidadãos deveriam possuir armas e, quando necessário, integrariam a milícia
nacional. Cada cidade teria seu próprio parlamento subordinado ao parlamento
supremo da capital. E, o mais importante: todos os devedores do Tesouro Real
seriam perdoados. As críticas ácidas à Metrópole podiam indicar um esboço de
“nacionalismo econômico”, como já disseram historiadores.
O
alferes Joaquim José da Silva Xavier, por sua habilidade de dentista alcunhado
Tiradentes, dizia que o Brasil era tão pobre, apesar de possuir tantas
riquezas, porque “a Europa como uma esponja lhe estava chupando toda a
substância, e os Exmos. Generais, de três em três anos, traziam uma quadrilha…
que depois de comerem a honra, a fazenda e os ofícios que deviam ser dos habitantes,
se iam rindo deles para Portugal”.
A
Inconfidência Mineira teve três delatores: o português Joaquim Silvério dos
Reis, que com sua denúncia obteve o perdão de importantes dívidas à Fazenda
Real; o também português Basílio de Brito Malheiros do Lago e Inácio Correia
Pamplona, nascido nos Açores. Quando denunciada, a conjura ainda engatinhava.
Estava longe de se tornar uma rebelião incendiária. Prenderam-se os envolvidos
e tiveram início os inquéritos ou as devassas. Alguns conjurados apressaram-se
a escrever ao governador, revelando tudo o que sabiam, com o objetivo de se
isentar de suas culpas. Depois da comutação de várias penas de morte em degredo
perpétuo ou temporário, somente Tiradentes foi executado, em 1792.
Silva
Xavier, que, ao longo das acareações negara, a princípio, sua participação,
passou depois a se inculpar assumindo uma responsabilidade superior a sua
posição social e de saber. A 18 de abril de 1792, reuniu-se a alçada para a
leitura das sentenças. Foram condenados à morte, pela forca, Tiradentes, o
tenente–coronel Freire de Andrade, José Álvares Maciel, Alvarenga Peixoto,
Abreu Vieira, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Luís Vaz de Toledo Piza, os
dois Resende Costa, Amaral Gurgel e Vidal Barbosa – onze ao todo. Ao degredo
perpétuo na África foram sentenciados sete réus, inclusive Gonzaga e o coronel
Aires Gomes. Quanto aos eclesiásticos, sabe-se que na primeira sentença três
foram condenados à morte: os padres Carlos Corrêa de Toledo e Melo, José da
Silva e Oliveira Rolim e José Lopes de Oliveira; e dois a degredo perpétuo: o
cônego Vieira da Silva e o padre Manuel Rodrigues da Costa. Todavia, remetidos
a Lisboa, permaneceram vários anos enclausurados.
Desde
1790, a rainha d. Maria havia decidido comutar a pena de morte dos chefes da
conjura em degredo perpétuo, com exceção dos que apresentassem agravantes.
Estava neste caso, por sua própria vontade, o alferes Silva Xavier. Eis por
que, assistido espiritualmente pelos franciscanos do Rio de Janeiro, Tiradentes
preparou-se para a morte. Sua execução ocorreu no antigo largo do terreiro da
Polé a 21 de abril de 1792. A caminho dela, parou na igreja da Lampadosa,
frequentada por “pretos minas”, para suas últimas orações. Foi enforcado e seu
corpo esquartejado, sendo suas partes exibidas nos locais onde havia feito
pregação revolucionária. Nos meses seguintes, foram enviados para as possessões
portuguesas na África sete condenados, dos quais apenas dois regressaram ao
Brasil: José de Resende Costa Filho e o padre Manuel Rodrigues da Costa, posteriormente
eleitos deputados às Cortes de Lisboa.
(Baseado
em “Uma Breve História do Brasil”, de Mary del Priore e Renato Venâncio).