Do
site o Globo Ciência/História
Fundador
do Programa de Estudos do Brasil da Universidade de Harvard, o historiador
Kenneth Maxwell é o grande destaque do Festival de História de Diamantina, que
ocorre entre os dias 19 e 22 de setembro. A programação deste ano tem como eixo
condutor a versão dos vencidos para significativos fatos da História nacional,
e Maxwell falará sobre a Inconfidência Mineira, o papel de Tiradentes e sua
relação com a Revolução Americana, dentro do contexto político internacional da
época, um tema sobre o qual o historiador se dedica há quatro décadas.
Em sua palestra de abertura no festival,
o senhor vai falar sobre a relação entre Tiradentes e os textos constitucionais
americanos. Quais são os pontos em comum entre a Inconfidência e a Revolução
Americana?
A
conspiração de Minas foi o primeiro movimento anticolonial, republicano e
constitucionalista das Américas depois do sucesso da revolução das colônias
inglesas na América do Norte. A conspiração mineira ocorreu no fim de 1788,
início de 1789. Em outras palavras, ela ocorreu antes da Revolução Francesa de
1789, bem como antes da revolta dos escravos no Haiti, a então colônia francesa
de Santo Domingo, em 1792. A consequência é que a Inconfidência ocorreu numa
cronologia muito especial. Entre 1776 e 1789 as autoridades portuguesas ficaram
muito nervosas quando descobriram os textos constitucionais americanos,
reunidos (no livro) “Recueil des Loix Constitutives de l’Etats-Unis”, em posse
dos conspiradores mineiros e sendo debatidos por eles enquanto planejavam a revolta
contra Portugal e discutiam a forma constitucional que teria a nação
republicana que pretendiam estabelecer quando a revolta fosse bem-sucedida.
Como o senhor vê a figura de Tiradentes?
Um líder real da revolta ou apenas uma marionete?
Tiradentes
foi um líder crucial da revolta proposta. Sua tarefa era liderar o levante
militar, prender o governador e executá-lo.
Como o livro com a Declaração da
Independência dos EUA chegou a Minas Gerais? E por que ele chegou em uma versão
francesa?
O
“recueil” tinha sido trazido de Birmingham, na Inglaterra, por José Álvares
Maciel. Ele o levou para Minas em 1788. Na verdade, existiam duas cópias do
“recueil” em Minas, em 1788. A cópia trazida por Álvares Maciel e uma outra, de
José Pereira Ribeiro. A cópia de Álvares Maciel é aquela que ficou conhecida
como “o livro de Tiradentes”. Tiradentes tinha essa cópia com ele, no Rio de
Janeiro. Logo depois de ser preso, em 10 de maio de 1789, ele a deu para um dos
membros dos dragões da Independência, Xavier Machado, que a levou de volta para
Vila Rica (atual Ouro Preto). É a cópia que se encontra hoje na coleção do
Museu da Independência, em Ouro Preto. A outra cópia, aparentemente, foi
destruída pelos conspiradores de Minas, antes de ser apreendida.
Qual a importância desse livro na
Inconfidência Mineira?
Os
conspiradores de Minas viram o sucesso da revolução americana e seus textos
constitucionais como modelos do que eles queriam alcançar para o Brasil. O
“recueil” foi publicado na França, em francês, em 1778, e foi dedicado a
Benjamin Franklin. O livro contém os documentos constitucionais fundadores dos
Estados Unidos da América (entre eles a Declaração de Independência
propriamente dita e as constituições de seis dos 13 estados).
Qual a relação entre Thomas Jefferson, estudantes
brasileiros na França e a Inconfidência Mineira?
Thomas
Jefferson sucedeu (Benjamin) Franklin como enviado dos Estados Unidos na
França. Em 1787, ele se encontrou, secretamente, com um estudante brasileiro da
Universidade de Montpellier, em Nimes. Eles discutiram os planos de uma revolta
contra Portugal, no Brasil. Jefferson relatou, em detalhes, a conversa a John
Jay, secretário de correspondências secretas do Congresso. Os conspiradores de
Minas também obtiveram um relato acurado sobre o que Jefferson disse em Nimes.
Na sua opinião, por que a Independência
brasileira demorou tanto e acabou sendo feita pela monarquia?
Essa
é uma história complicada. Mas, em resumo, depois do fracasso da conspiração de
Minas e do medo do exemplo da rebelião de escravos no Haiti, muitos membros da
monarquia acabaram se tornando mais cautelosos sobre os ideais republicanos. Ao
mesmo tempo, lideranças portuguesas também se mexeram no sentido de conciliar
tais ideais. Não foi um processo simples, mas quando a Corte portuguesa se
mudou para o Rio, em 1808, teve início um período de consolidação das muitas
instituições de um governo central. Isso teve um papel fundamental no
estabelecimento da monarquia no Brasil e em sua continuidade até 1889.
Como o senhor vê o Brasil hoje, como uma
das maiores economias do mundo, mas ainda lutando contra uma herança colonial
significativa e uma grande desigualdade de renda?
Muito
foi alcançado nas duas últimas décadas; isso é verdade e deve ser reconhecido:
democratização, aumento das oportunidades para uma parcela crescente da
população, a maior participação do Brasil no mundo, a internacionalização dos
negócios e da mídia, mais comércio, sucesso nas artes, na cultura e nos
esportes, a capacidade de mobilização do povo. Mas o legado da desigualdade
permanece como um grande desafio. A despeito das novas tecnologias, das
práticas políticas, da administração cotidiana, o país, por vezes, permanece
atolado no passado e cativo de velhos padrões.