Celebra-se
em 7 de Setembro, data magna da Nação, o que seria o ato principal de sua
Independência em relação a Portugal – o Grito do Ipiranga –, protagonizado pelo
príncipe Pedro de Alcântara às margens daquele regato da então Província de São
Paulo, em 1822. Já em São Luís, a data antecede outro importante feriado: o que
rememora a fundação da cidade pelos franceses em 1612.
Não
há, então, época mais propícia para a entrega de uma das mais importantes obras
de requalificação de bens culturais da capital maranhense: a praça Pedro II.
Conduzida pela Prefeitura de São Luís, durante a administração do sr. Edivaldo
Holanda Júnior, ela devolverá restaurada, aos Ludovicenses, a estátua da
“Mãe-d’água Amazonense”, obra em bronze produzida em 1940 e último trabalho de
Newton Sá, escultor nascido em Colinas em 1908, que faleceria ao final daquele
ano.
O
logradouro em questão, bem defronte a Igreja da Sé, e indo até o parapeito
donde se mira a foz dos rios Anil e Bacanga, é circundado pelos prédios que
simbolizam (ou simbolizavam) os poderes públicos: o próprio templo, o principal
da Igreja Católica no Maranhão, e que no início dos Oitocentos hospedou em suas
dependências a Assembleia Provincial (atualmente Legislativa); a Casa de Câmara
e Cadeira, hoje Palácio Daniel de La Touche, que sedia a governança da
municipalidade e que antes também era a dos vereadores; à sua frente o Tribunal
de Justiça e, mais adiante, o Palácio dos Leões, onde habita o governador do
Estado.
Poucos
sabem, no entanto, o porquê da praça chamar-se Pedro II.
Com
efeito, a monarquia brasileira foi abolida por um golpe – que também se
transformaria em feriado – no dia 15 de novembro de 1889, tocado por alguns
militares que desejavam novo regime em que pudessem participar da política,
motivados por ex-escravocratas rancorosos com a Lei de 13 de Maio de 1888 e
outros setores modernizantes que acreditavam que para o Brasil virar uma
espécie de Estados Unidos dos trópicos, bastava instalar a “República”. O fim
da monarquia, porém, marcaria o começo da primeira ditadura da história pátria.
De
fato, o país não conheceria o lema posto na nova bandeira: “Ordem e Progresso”.
A Crise do Encilhamento trouxe a inflação, até então coisa desconhecida, a
Guerra de Canudos e o cangaço nos sertões, o surgimento das favelas, a não
integração do negro à sociedade e a falta de liberdade, essa solapada por
sucessivos governos de oligarquia, cujos interesses não eram outros senão os
altos privilégios fornecidos pela República.
A
insatisfação popular aliada ao primeiro centenário da Independência, fez
ressurgir, em meados da década de 1910, a memória do extinto monarca morto em
1891, quase esquecido por todos, num modesto quarto de hotel em Paris.
D.
Pedro II, referência de moral, foi avesso a luxos. Chamado de “O Imperador
Cidadão”, durante seus mais de cinquenta anos de reinado, proibiu que a
Assembleia Geral do Império (o atual Congresso Nacional) reajustasse seu
“salário”, sob a alegação de que o dinheiro não era exatamente seu, mas
público, e que por isso deveria ser gasto apenas com o estritamente necessário.
Mesmo assim, da própria remuneração custeava o estudo de jovens e o trabalho de
cientistas. Ele e sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina (cujo nome batizou a
segunda maior cidade do Maranhão e a capital do Piauí), contribuíram
sobremaneira para formar o acervo do Museu Nacional, inteiramente perdido, após
anos de descaso, no incêndio do dia 2 de setembro último.
Maneira
tal que diversos espaços públicos nas principais cidades ou passaram a ostentar
monumentos em honra de sua pessoa, ou adotaram seu nome. Em 5 de fevereiro de
1911, Petrópolis entrega a estátua do Imperador (autoria de Jean Magrou, o
mesmo daquela de João Francisco Lisboa,
que se encontra no Largo do Carmo); A 7 de setembro de 1913 foi inaugurada uma
na capital do Ceará, defronte à Catedral de Fortaleza, e no início dos anos
1920, a Praça da Independência em Belém do Pará torna-se Praça D. Pedro II.
O
Presidente da época, Epitácio Pessoa, revogou, em janeiro de 1921, o decreto de banimento da família imperial, o que então possibilitou a vinda dos restos
mortais do Imperador e da Imperatriz, e o retorno do Conde d’Eu para a
principal comemoração do Centenário, mas infelizmente, já bastante idoso,
sucumbiu durante a viagem de navio. A Princesa D. Isabel, que seria a estrela
do evento, faleceu mesmo na Europa meses antes, sem poder rever em vida a
própria terra.
Os
ventos do reconhecimento e da memória chegaram ao Maranhão, e foram
personificados no centenário do Imperador a 2 de dezembro de 1925. A edição n.º 177 do jornal O Combate
noticiou: “Está despertando interesse a comemoração, aqui, do centenário do
grande brasileiro, que foi D. Pedro 2º”. Começaria a festividade durante a
alvorada com salva de foguetes e missa campal às sete da manhã em frente ao
Palácio Episcopal, celebrada pelo Arcebispo D. Otaviano Pereira de Albuquerque,
informando logo que a Avenida Maranhense passaria a “ter o nome do homenageado”
a partir daquele dia. Na programação são citados desfiles cívicos de
estudantes, operários do comércio e indústria em volta da Pedra da Memória
(naquela época ainda não localiza na Avenida Beira-Mar), sob a guarda da força
armada policial, matinées, recitais de poesia, dentre outras atividades
conduzidas por personalidades importantes da cidade, como a educadora Rosa
Castro. Posteriormente, o periódico informava da incorporação ao evento do 24º
Batalhão de Caçadores e do apoio da classe empresarial. Todas as embarcações
estacionadas no porto de São Luís “embandeirarão em arco durante o dia”,
incluso o destroier “Amazonas”, da Marinha do Brasil.
O
natalício do Imperador foi declarado feriado e rebatizado o espaço, conforme a
nota: “A Câmara Municipal em sessão de ontem decretou feriado o dia de amanhã
bem como a lei que manda substituir o nome de Avenida Maranhense pela de D.
Pedro Segundo, atos esses que foram ontem mesmo sancionados pelo prefeito
municipal”.
O
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM, fundado naquele mesmo ano,
teve papel importantíssimo nessa memorável homenagem pública. Um de seus
cofundadores, o padre Arias Cruz, proferiu belo discurso em deferência ao
Imperador após a celebração religiosa. Mas não só. Ali ocorreria a primeira
reunião da entidade na sede da Câmara Municipal, às dez horas, com o mesmo
propósito.
Foram
palavras do orador católico: “E D. Pedro II, meus amigos, nasceu para perdoar:
não sabia ter resentimentos, não aprendera a guardar rancor. ‘Sofreu
ingratidão, injúrias, decepções tremendas – escreve um dos seus intimos –
viu-se de repente despojado do trono, expulso da Pátria como um réprobo,
privado de tanto quanto amava, de tudo aquillo a que se achava acostumado!... E
nunca uma recriminação, uma queixa, uma expansão menos majestosa, que de leve
lhe desconcertasse a serenidade olímpica da compostura!...’ Coisa difícil,
conterrâneos meus, o exercício da tal fineza; é predicado que a mui poucos
singulariza, e com alarmante escassez em nossos dias. Aquele que não encontra
obstáculos em remittir, manifesto é que nenhum estorvo o detém na desobriga de
quaisquer outros mandamentos cristãos.”
Nascia,
assim, a 2 de dezembro de 1925, a praça (D.) Pedro II, em plena comemoração
àquele que é, sem dúvida, a maior referência da ética pública, desprendimento e
civismo da História do Brasil. Acerta a municipalidade de São Luís em devolver
reformado aos habitantes da urbe, sob o balançar das altas folhas das palmeiras
imperiais, tão significativo logradouro, mais ainda nesta época obscura e
triste, em que o legado dos monarcas e de todo um povo é literalmente lançado
nas chamas.