Pe. João Dias Rezende Filho**
Com
uma pena de ouro, confeccionada por meio de subscrição popular, a Princesa D.
Isabel sancionou, na tarde de 13 de maio de 1888, a lei nº 3.353, que passou à
História com o epíteto de Áurea, tanto pelo nobre metal da caneta usada por Sua
Alteza para assinar o diploma legal quanto pela importância e alcance social de
que a lei se revestia.
A
repercussão imediata no Maranhão da lei mais célebre do Brasil é pouco
conhecida, mormente magistralmente explorada na ficção por autores como, por
exemplo, Josué Montello em Os Tambores de São Luís e Noite sobre Alcântara e
Nascimento Moraes em Vencidos e Degenerados.
Um
dos relatos históricos mais interessantes e ricos sobre a repercussão é o do
memorialista Dunshee de Abranches. Em seu clássico O Cativeiro, o insuspeito
historiador republicano, testemunha ocular da abolição, narra o entusiasmo dos
maranhenses, sobretudo dos recém-libertos e dos líderes do movimento
abolicionista. Eis um pequeno trecho da poética narração do velho Dunshee:
“Durante
três dias e três noites a população escrava e, com ela, o grupo abolicionista
de São Luís não dormiram. As explosões ruidosas dos entusiasmos dos defensores
impertérritos da grande causa, escrevia eu logo depois tentando apanhar para a
História o flagrante dessa hora memorável, vinham juntar-se as expansões
ruidosas da imensa massa dos libertos que, abandonando de chofre as casas dos
senhores, se haviam lançado nas ruas em irreprimíveis e tumultuárias
manifestações de júbilo.”
“A
alvorada do dia da Liberdade irrompera radiante e límpida. Céu azul, sem
nuvens. O sol marcara todas as horas dessa jornada gloriosa. Cânticos, risos,
gritos alegres por toda a parte. Desde cedo, engalanara-se subitamente a
cidade. As calçadas ficaram cobertas de flores e folhagens. Os redimidos surgiam
de cada canto em grupos álacres; carregavam braçadas de ramos e de palmas;
engrinaldavam-se também julgando-se os verdadeiros heróis desse prélio
momentoso” (DUNSHEE DE ABRANCHES, 1992, p.194)
Na
antiga Igreja de Nossa Senhora das Mercês, ao lado do convento homônimo ainda
remanescente, foi celebrado no próprio 13 de maio, à noite, um festivo Te Deum,
cerimônia litúrgica na qual é executado o canto solene de antigo hino latino de
ação de graças a Deus. A cerimônia promovida pelos padres e alunos do então
seminário menor do Maranhão que funcionava naquele antigo convento dos
mercedários foi muito concorrida. Estavam presentes o Dr. Moreira Alves,
Presidente da Província, Dom Antônio Cândido de Alvarenga, Bispo do Maranhão e
muitas outras autoridades, além de grande número de pessoas das mais diversas
classes. Pregou, entusiasticamente, o Cônego Francisco José Baptista destacando
que aquele Te Deum solene em agradecimento a Deus pelo fim da escravidão tinha
lugar, providencialmente, na Igreja da ordem fundada em 1218, por São Pedro
Nolasco, para promover a libertação de cristãos que, no norte da África, caíam
escravos nas mãos dos mulçumanos.
Houve,
infelizmente, quem se opusesse à Lei, como alguns fazendeiros da Vila de São
Luís Gonzaga, como noticiou a Pacotilha de 17 de maio. O Presidente da
Província, ao tomar conhecimento do fato, através de telegrama vindo de
Bacabal, destacou para aquela vila 10 praças do 5º Batalhão de Infantaria sob o
comando do Alferes João de Lemos, nomeado no mesmo ato delegado de polícia para
aquela localidade com o intuito de garantir o cumprimento da lei. Dentre os fazendeiros, à época chamados de
lavradores, que resistiram à Lei Áurea, recolhemos do Jornal maranhense O Paiz
de 18 de julho de 1888, os nomes de Victorino José Godinho, do Capitão João
Jansen Pereira e do Tenente Coronel Júlio Máximo de Carvalho que no dia 10 de
julho de 1888, reunidos na Câmara de São Luís Gonzaga, juntamente com vários
outros ex-senhores de escravos, fizeram uma representação à Câmara dos Deputados
pedindo indenização pela libertação de seus antigos cativos.
No
dia 19 de maio, na Associação Comercial, foi realizada concorrida sessão solene
dos empregados do comércio com a presença ilustre do Presidente da Província.
Dentre os que usaram da palavra exaltando o 13 de Maio destacamos Hermenegildo
Jansen Ferreira, presidente da Associação Comercial, Virgílio Cantanhede, Paula
Duarte e Aristides Cunha. Logo após, uma passeata com participação de grande
multidão que davam vivas à Regente e à extinção da escravidão desfilou pelas
ruas da cidade.
As
senhoras também promoveram uma passeata “em regozijo à lei que aboliu a
escravidão no Império” conforme noticiou a Pacotilha do dia 21 de maio. Eram
conduzidos estandartes com imagens da Regente, dos líderes do movimento
abolicionista, como Joaquim Nabuco e os Conselheiros Dantas, João Alfredo e
Vieira da Silva, este último, maranhense.
Foram
promovidas outras importantes solenidades, como a da Câmara de Vereadores, em
que discursaram o Vereador Manuel de Bettencourt e o jovem Dunshee de
Abranches, orador oficial do Club Artístico Abolicionista Maranhense, a mais
importante sociedade abolicionista do Maranhão, que promoveu no dia 28 de maio,
no então Teatro São Luís, hoje, Arthur Azevedo, sua sessão solene de homenagem
à Lei Áurea.
Friso
que o abolicionismo e todos os personagens que nele tomaram parte, dentre os
quais destacamos a Princesa Regente e o nosso conterrâneo Joaquim Serra, devem
ser objeto de acurado estudo tendo em vista as questões que estão imbricadas no
desfecho de todo esforço pela extinção da escravidão. Concluo citando o
insuspeito prócer do abolicionismo, Joaquim Nabuco, em sua autobiografia Minha
Formação. Ao relatar a audiência com o
Papa Leão XIII sobre a questão servil no Brasil, escreveu Nabuco: “Quanto à
Família Imperial, repeti ao Sumo Pontífice, que o que há feito em nossa lei a
favor dos escravos, é devido à iniciativa e imposição do Imperador, ainda que
seja pouco” (NABUCO, 1999, p.198). Sobre a Princesa D. Isabel, acrescenta Nabuco:
No dia em que a Princesa Imperial se decidiu ao seu grande golpe de humanidade,
sabia tudo que arriscava. A raça que ia libertar não tinha para lhe dar senão o
seu sangue, e ela não o quereria nunca para cimentar o trono de seu filho… A
classe proprietária ameaçava passar-se toda para a República, seu pai parecia
moribundo em Milão, era provável a mudança de reinado durante a crise, e ela
não hesitou; uma voz interior disse-lhe que desempenhasse sua missão, a voz
divina que se faz ouvir sempre que um grande dever tem que ser cumprido ou um
grande sacrífico que ser aceito” (NABUCO, 1999, p.182) Viva a Lei Áurea! Viva o
13 de Maio! Viva o Brasil e o Povo brasileiro!
Bibliografia consultada
DUNSHEE DE ABRANCHES, João. O Cativeiro. 2ª edição. São
Luís: Alumar e AML, 1992.
NABUCO, Joaquim. Minha Formação. São Paulo: Edibras,
1999.
Jornais Pacotilha e O Paiz – Acervo da Biblioteca Pública
Benedito Leite
*Artigo publicado anteriormente em O Estado do Maranhão(12.05.2018)
e no site do Instituto Cultural Dona Isabel I a Redentora(13/05/18).
** Pe. João Dias Rezende Filho é pesquisador e sócio
efetivo do IHGM.