domingo, 25 de fevereiro de 2018

O Quartel do Campo de Ourique[1]




Por Euges Lima*


Sua pedra fundamental foi lançada ainda no período colonial em 1793, sob a denominação de 5.º Batalhão de Infantaria, sendo inaugurado em 1797. Tinha capacidade para 1.333 praças e foi considerado um dos primeiros do Brasil com tais acomodações e estrutura.

O quartel foi erigido no centro de uma área vasta, conhecida como Campo de Ourique no governo de D. Fernando Antônio de Noronha, o mesmo responsável pela construção da Fonte do Ribeirão.

Sua longa extensão ia desde o início da atual Praça do Panteon na Rua dos Remédios, atual Rio Branco até o fim das Avenidas Gomes de Castro e Silva Maia, abrangendo atualmente a Praça do Panteon, Biblioteca Pública Benedito Leite e o Sesc.

Em 1841, com a Sagração de D. Pedro II à Imperador do Brasil, os membros do Exército brasileiro no Maranhão para homenagear o Imperador e sua coroação e guardar esse acontecimento para posteridade, projetaram e erigiram um monumento de formato piramidal – A Pirâmide do Campo de Ourique -, em frente do portão de retaguarda do quartel.

Escrevendo para o Sr. Cândido José de Araujo Viana, Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império, descreveu assim o lançamento da Pedra da Memória, o presidente da província o senhor João Antônio de Miranda, conforme consta no “Jornal Maranhense” do ano de 1841: “Na tarde do dia 15 houve nova e magnífica parada no campo de Ourique, para onde ainda concorrerão as pessoas mais gradas da capital, e immenso povo, ahi tive a honra ainda de lançar a pedra fundamental para uma Pyramide, que a corporação Militar inaugurou á Sagração de S. M. o Imperador.”

A partir da inauguração desse obelisco em 1844, toda área da frente do quartel, passou a ser chamada pelo povo de Largo do Quartel e a área posterior, de Campo de Ourique ou Largo da Pirâmide.

Em 1868, a Câmara Municipal, aprovou uma lei denominando a área de frente do quartel de Praça da Independência. Após a proclamação da República, o nome foi mudado para o atual Praça Deodoro da Fonseca, em homenagem ao Marechal que proclamou a República.

A guarnição desse quartel passou por várias denominações ao longo do tempo. Da sua origem até 1908, foi denominado de 5.º Batalhão de Infantaria, passando a chamar-se a partir de então até 1919 de 48.º Batalhão de Caçadores, mudando novamente a partir daí para 24.º Batalhão de Caçadores, denominação que perdurou até 2013, quando voltou a ser um Batalhão de Infantaria Leve, o 24 BIL.

Em 1923, meu avô, Antônio Salustiano de Lima, então um jovem com 21 anos, natural da cidade maranhense de Brejo, fazia parte da guarnição desse quartel. Nesse período, o quartel ainda ficava no Campo de Ourique e era denominado de 24 BC..

Foi somente no final da década de 1930 e início da década de 1940, que o prédio do quartel foi demolido, dando lugar nos anos seguintes a Biblioteca Pública do Estado e a Praça do Panteon. Com a urbanização cada vez maior no entorno do quartel no Campo de Ourique e Praça Deodoro, foi necessário buscar outro local mais afastado do Centro da cidade, para instalação de um novo quartel, nesse sentido, o local escolhido foi o Bairro do João Paulo, onde foi construído um novo prédio, sendo inaugurado no dia 19 de abril de 1941.





[1] Artigo publicado anteriormente na Coluna “Domínios da História do Maranhão”, Jornal Extra, 21/02/2018.
* Professor, historiador e presidente do IHGM.



Você me conhece? Ecos dos carnavais de São Luís (séc. XIX)1



Por Euges Lima*



Ainda na “ressaca” do Carnaval, vamos abordar no artigo de hoje, a partir de alguns anúncios e textos de jornais maranhenses os ecos da folia da São Luís de fins do século XIX. Num domingo gordo de Carnaval, no dia 12 de fevereiro de 1899, assim se manifestava “O Abelhudo” (uma espécie de folha satírica dos costumes e política sanluisense): “ Hoje é [...] o grande dia destinado á folia, á ratice, á patuscada; - é o inolvidável dia do celebre e burlesco – você me conhece ? – o impagável dia em que devemos esquecer tudo quando ha de grave, triste e sério n’este mundo de miserias, e nos lembrar somente das brejeirices, das momices, dos cantos alegres, das danças patuscas, de tudo em summa quanto possa divertir a humanidade.”

O trecho acima citado demonstra que nesse último ano do século XIX, já na República, o entrudo era ainda uma das principais formas de diversão no Carnaval de São Luís, e significava na verdade, a própria concepção de Carnaval, a forma em voga de se brincar o Carnaval, ou seja, “entrudo” era sinônimo de Carnaval, assim como em outras províncias do Brasil.  

A origem do Carnaval no Brasil colonial se dá com o entrudo que consistia em uma série de variadas brincadeiras e folguedos que saiam pelas principais ruas das cidades, onde participavam desde escravos, libertos, ex-escravos, pessoas do povo, onde os foliões andavam mascarados e fantasiados pelas ruas, munidos de bisnagas e limões de ceras, carregados de líquidos e água de cheiro, jogando uns nos outros na maior “algazarra” e se realizava quarenta dias que antecedia a páscoa.

O dia do célebre e burlesco “você me conhece?”, ressaltado pelo cronista de “O Abelhudo”, era quando o folião mascarado, com voz de falsete, indagava os passantes nas ruas sobre sua identidade, porém, geralmente essa pergunta, era um prelúdio a insultos, troças, jatos de águas e limões de cera na cara, era o momento da vingança dos desafetos e vizinhos indesejados.

O comércio local, também aproveitava o período da folia momesca para faturar. Os jornais estão repleto de anúncios, oferecendo um sortido e variado estoque de produtos típicos do Carnaval. “Viva o Carnaval!... Mascaras de papelão, typos de bichos, luvas de diversas qualidades e tamanhos, Mascara de setim...Narizes de papelão e cêra...Barbas, bigodes e cabeleiras. Meias para homem e mulher branca e de côres... E tudo mais o que se possa desejar para o carnaval. Tambem receberam um completo sortimento de bisnagas e o magnifico pó de prata e ouro para o entrudo”. Assim anunciava no início dos anos de 1880, o seu Bazar Carnavalesco no Jornal Pacotilha o estabelecimento NEVES, PINHEIRO & C., localizado à Rua do Sol.

Além do entrudo e do Carnaval de rua como já mencionamos, já se fazia presente na São Luís do final do século XIX a existência também de um outro modelo de Carnaval, com um perfil mais elitista, mais aos moldes dos carnavais veneziano e parisiense; dos préstitos - a exemplo dos “Arautos de Momo”-, dos bailes de máscaras, do corso, do zé-pereira, das batalhas de flores e das sociedades carnavalescas – como a “Mephistopheles” - responsáveis pela organização desses eventos e brincadeiras.

Observa-se a partir daí a apropriação do Carnaval pelas elites, o surgimento do dito Carnaval “civilizado”, que agora estava “longe” das ruas, “desorganização” e  permissividade do entrudo, mas mesmo quando ocupava as ruas, largos e praças, o fazia com “organização”, “critérios” o “horários”, cheios de regras de urbanidade e civilidade, eis aí o novo sentido do Carnaval em São Luís e também nas principais cidades do Brasil nessa virada de século. Quanto ao entrudo, passou então, a ser mal visto pelas classes abastadas, sendo a partir daí, marginalizado e criminalizado pela polícia e autoridades.





1 Artigo publicado anteriormente na Coluna “ Domínios da História do Maranhão” do Jornal Extra, São Luís, 16/02/2018.
* Professor de história e historiador.