Ainda
na “ressaca” do Carnaval, vamos abordar no artigo de hoje, a partir de alguns anúncios
e textos de jornais maranhenses os ecos da folia da São Luís de fins do século
XIX. Num domingo gordo de Carnaval, no dia 12 de fevereiro de 1899, assim se
manifestava “O Abelhudo” (uma espécie de folha satírica dos costumes e política
sanluisense): “ Hoje é [...] o grande dia destinado á folia, á ratice, á
patuscada; - é o inolvidável dia do celebre e burlesco – você me conhece ? – o
impagável dia em que devemos esquecer tudo quando ha de grave, triste e sério
n’este mundo de miserias, e nos lembrar somente das brejeirices, das momices,
dos cantos alegres, das danças patuscas, de tudo em summa quanto possa divertir
a humanidade.”
O
trecho acima citado demonstra que nesse último ano do século XIX, já na
República, o entrudo era ainda uma das principais formas de diversão no
Carnaval de São Luís, e significava na verdade, a própria concepção de Carnaval,
a forma em voga de se brincar o Carnaval, ou seja, “entrudo” era sinônimo de
Carnaval, assim como em outras províncias do Brasil.
A
origem do Carnaval no Brasil colonial se dá com o entrudo que consistia em uma
série de variadas brincadeiras e folguedos que saiam pelas principais ruas das
cidades, onde participavam desde escravos, libertos, ex-escravos, pessoas do
povo, onde os foliões andavam mascarados e fantasiados pelas ruas, munidos de
bisnagas e limões de ceras, carregados de líquidos e água de cheiro, jogando
uns nos outros na maior “algazarra” e se realizava quarenta dias que antecedia
a páscoa.
O
dia do célebre e burlesco “você me conhece?”, ressaltado pelo cronista de “O
Abelhudo”, era quando o folião mascarado, com voz de falsete, indagava os
passantes nas ruas sobre sua identidade, porém, geralmente essa pergunta, era
um prelúdio a insultos, troças, jatos de águas e limões de cera na cara, era o
momento da vingança dos desafetos e vizinhos indesejados.
O
comércio local, também aproveitava o período da folia momesca para faturar. Os
jornais estão repleto de anúncios, oferecendo um sortido e variado estoque de
produtos típicos do Carnaval. “Viva o Carnaval!... Mascaras de papelão, typos
de bichos, luvas de diversas qualidades e tamanhos, Mascara de setim...Narizes
de papelão e cêra...Barbas, bigodes e cabeleiras. Meias para homem e mulher branca
e de côres... E tudo mais o que se possa desejar para o carnaval. Tambem
receberam um completo sortimento de bisnagas e o magnifico pó de prata e ouro
para o entrudo”. Assim anunciava no início dos anos de 1880, o seu Bazar
Carnavalesco no Jornal Pacotilha o estabelecimento NEVES, PINHEIRO & C.,
localizado à Rua do Sol.
Além
do entrudo e do Carnaval de rua como já mencionamos, já se fazia presente na
São Luís do final do século XIX a existência também de um outro modelo de
Carnaval, com um perfil mais elitista, mais aos moldes dos carnavais veneziano
e parisiense; dos préstitos - a exemplo dos “Arautos de Momo”-, dos bailes de
máscaras, do corso, do zé-pereira, das batalhas de flores e das sociedades
carnavalescas – como a “Mephistopheles” - responsáveis pela organização desses
eventos e brincadeiras.
Observa-se
a partir daí a apropriação do Carnaval pelas elites, o surgimento do dito
Carnaval “civilizado”, que agora estava “longe” das ruas, “desorganização”
e permissividade do entrudo, mas mesmo
quando ocupava as ruas, largos e praças, o fazia com “organização”, “critérios”
o “horários”, cheios de regras de urbanidade e civilidade, eis aí o novo
sentido do Carnaval em São Luís e também nas principais cidades do Brasil nessa
virada de século. Quanto ao entrudo, passou então, a ser mal visto pelas
classes abastadas, sendo a partir daí, marginalizado e criminalizado pela
polícia e autoridades.
1 Artigo publicado anteriormente na Coluna “ Domínios da História
do Maranhão” do Jornal Extra, São Luís, 16/02/2018.
* Professor de história e historiador.
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