Do site do fHist 2013
A 2ª
edição do Festival de História (fHist 2013), que será realizada em Diamantina
(MG), de 19 a 22 de setembro, contará com um dos brasilianistas mais
importantes em sua conferência inaugural: o historiador britânico Kenneth
Robert Maxwell, especialista em História Ibérica e no estudo das relações entre
Brasil e Portugal. O tema da conferência será "O outro lado da história:
Tiradentes e a constituição de independência dos Estados Unidos da
América". Autor de livros como
"A Devassa das Devassas" e "Marquês de Pombal: o paradoxo do
iluminismo, Maxwell lança, em agosto, pela Companhia das Letras, uma edição
crítica do "Recueil dês loix constitutives dês Etats-Unis de
L'Amerique", conhecido como "Livro de Tiradentes", da qual é
coordenador. A obra, que trata das semelhanças entre os ideais da Inconfidência
Mineira e da Revolução Americana, conta ainda com a colaboração de
historiadores brasileiros, como as professoras da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Junia Furtado e Heloísa Starling. Leia a seguir a entrevista que
Kenneth Maxwell concedeu à organização do festival sobre sua participação no
evento e sobre o seu novo livro.
fHist - Quando se interessou pela história brasileira
e especificamente sobre a Inconfidência Mineira? O que o levou a pesquisar
sobre o período colonial brasileiro e desde quando isso faz parte do seu
trabalho?
Kenneth Maxwell -
Fiquei interessado pela História do Brasil há quase quarenta anos, depois de
1964, e de fato! O meu interesse na Inconfidência vem do tempo do meu livro
"A devassa da devassa", publicado em inglês, precisamente há 40 anos,
pelo Cambridge University Press, com o título de "Conflicts and
Conspiracies". Mas tenho um novo livro. É uma colaboração com alguns
estudantes em Harvard, e é uma obra coletiva, uma edição critica de
"Recueil des loix constitutive des etats-unis" de 1778, o chamado
"Livro de Tiradentes". Trabalhei em Harvard neste livro com Bruno
Carvalho, na época estudante de Estudos Brasileiros, e agora professor de
Estudos Brasileiros em Princeton; com John Huffman, estudante do programa de
pós-graduação em História Norte-Americana, e com Gabriel Rocha, também
estudante em Harvard, e agora estudante de pós-graduação da New York
University. Temos também a colaboração das professoras Junia Furtado e Heloisa
Starling da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que escreveram um
capítulo do livro sobre o ambiente intelectual mineiro na época. Eu sou
coordenador da obra e fiz a introdução do livro sobre a história do Livro de
Tiradentes. Bruno, John e Gabriel são responsáveis pelo segundo capítulo, sobre
problemas de tradução e origens dos textos. No fHist 2013, eu, Bruno, Junia e
Heloísa, faremos uma apresentação do livro, que será publicado pela Companhia
das Letras/Penquin.
fHist - Além do período colonial, o senhor já se
dedicou a estudar outros períodos da história do Brasil?
Kenneth Maxwell -
Sou realmente interessado no século 18 da História do Brasil e de Portugal.
Particularmente, na administração do Marquês de Pombal, mas também fiz vários
estudos sobre outros períodos da história latino-americana e europeia. Estou completando agora um estudo sobre o
terremoto e reconstrução de Lisboa.
fHist - Considera que fatos
ocorridos na época colonial ainda influenciam a forma de organização, a
política e a cultura da sociedade brasileira?
Kenneth Maxwell -
Claro! O período colonial tem uma grande influência, contínua, na História
Brasileira. Algumas histórias foram represadas durante várias décadas, como
aconteceu com a Inconfidência Mineira durante o regime Imperial Brasileiro, mas
a memória fica e com as novas gerações surgem também novas percepções e
preocupações.
fHist - Em sua avaliação, qual a importância de se
fazer um festival sobre a literatura histórica brasileira?
Kenneth Maxwell -
Estes festivais são importantes. A realização do Festival de História, em
Diamantina, eu considero ser, particularmente, uma boa ideia. Estou extremamente entusiasmado por
participar do festival.
fHist - Quais aspectos da
Inconfidência Mineira o senhor pretende abordar em sua conferência no fHist
2013?
Kenneth Maxwell -
Focalizo particularmente o "Livro de Tiradentes". As origens do
livro, o papel de Benjamin Franklin, as razões para a publicação, em francês,
do livro da Declaração da Independência Americana e as constituições dos vários
novos estados Norte-Americanos, na Paris de 1778. Quero falar sobre as ligações
do livro com o Brasil, o papel de Thomas Jefferson no contato com estudantes
brasileiros na França e como o livro chegou a Minas Gerais. Ainda destaco o
papel de Tiradentes, e a história do livro depois da sua prisão. Vem a ser uma
História Atlântica, uma historia das nações imaginadas nos Estados Unidos, na
França, em Minas Gerais e no Brasil.
fHist - Não são poucos os
historiadores que consideram a Inconfidência Mineira como um movimento de
elites abastadas, onde os ideais libertários, se é que haviam, escondiam os
interesses de uma classe endividada pela cobrança de impostos que, a partir de
um certo momento, não conseguia sonegar os pagamentos. Quer dizer, um movimento
mais econômico do que político, onde o fim da escravidão, por exemplo, sequer
figurava. Qual a sua opinião?
Kenneth Maxwell - O
movimento tem fortes causas econômicas, particularmente, por causa da esperada
imposição da Derrama. Mas acho também que tinha causas intelectuais. O Livro de
Tiradentes era importante neste sentido. A Inconfidência foi a primeira
tentativa de revolta anti-colonial, na época, nas Américas. Aconteceu depois da
Revolução Americana, mas antes da Revolução Francesa, e da Revolução Haitiana.
A inconfidência Mineira era fortemente influenciada pela Revolução Americana. A
cronologia é importante neste sentindo. A Inconfidência era de 1788-1789.
Depois de 1789, tudo mudou no mundo Atlântico, por causa da Revolução Francesa
e as suas consequências nas Antilles, no Haiti, com a grande revolta de
escravos na colônia francesa de Saint Dominque, em 1792. A Inconfidência
Mineira foi importante neste mundo Atlântico, precisamente por ter ocorrido
neste momento, entre a Revolução Americana e a Revolução Francesa. E é
necessário ver a importância do Livro de Tiradentes dentro desta cronologia.
fHist - Há
aqueles que também questionam a "liderança" de Tiradentes, cujo papel
seria secundário na Inconfidência. Em suas pesquisas, qual a sua conclusão
sobre a atuação de Tiradentes?
Kenneth Maxwell - A
inconfidência foi importante, precisamente, por causa da participação ampla na
conspiração das elites mineiras. Da participação dos magistrados, dos
militares, dos homens de negócio, dos fazendeiros abastados, dos donos de
escravos e da produção de ouro e diamantes. Tiradentes era um importante participante
na Inconfidência como propagandista do movimento, como militar e como
proponente agressivo, ativista, da causa de uma república constitucional,
independente de Portugal. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Mas também era de
grande influência e importância o papel José Álvares Maciel, por exemplo, que
traz o "Recueil", o chamado "Livro de Tiradentes", para
Minas, da Europa. E Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e o Cônego
Luís Vieira foram importantes também, particularmente, como formuladores das
leis da nova república que queriam implantar. E o chamado "Livro de
Tiradentes" foi importante nestas formulações. Tiradentes não podia ler
francês, a lingua de "Recueil", mas Tiradentes sabia muito bem a
mensagem do livro e utilizou a mensagem nos seus discursos e conversações com
outros conspiradores, e nos seus discursos públicos para promover a causa republicana em Minas e no Rio de
Janeiro.
fHist -
Como o senhor vê o Brasil hoje e qual a imagem que o país tem passado, nos
últimos anos, para o exterior? O senhor vê alguma mudança na imagem do país?
Kenneth Maxwell -
Há uma mudança fundamental. O Brasil ainda tem seus problemas, como todos os
brasileiros sabem muito bem, melhor que os estrangeiros, mas a imagem do Brasil
está totalmente transformada. Agora, o desafio é consolidar esses avanços.