terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Desvendando São Luís, a planta da cidade de 1858




Por Euges Lima 
(historiador)
eugeslima@gmail.com




A “Planta da Cidade de São Luís do Maranhão levantada em 1858” foi feita por J. Veiga e publicada em Nova Iorque, Estados Unidos, por R. C. Root, Anthony & Co. É realmente incrível e muito reveladora sobre a toponímia da cidade. O que a distingue de outras plantas da primeira metade do século XIX, é sua perfeição, nitidez e riqueza de detalhes em relação às denominações e localizações dos logradouros, monumentos e prédios históricos, muitos existentes até hoje, outros, já desaparecidos. É sem dúvida, uma importante fonte de pesquisa para se conhecer melhor a história de São Luís e seu desenvolvimento urbano.

Pouco conhecida, quase nunca estuda, raramente citada e publicada apenas uma única vez no raríssimo livro “Geografia do Maranhão” de 1922, escrito por Fran Paxeco, mas que passou despercebida, esta planta, constitui-se material ainda pouco explorado, que traz certamente muitas novidades e com uma infinidade de possibilidades de estudos sobre a São Luís de meados do século XIX.

No livro “História de São Luís”, 2015, 2.ª ed., publicação póstuma de Mário Meireles, editado pela Academia Maranhense de Letras, no capitulo, intitulado “O Largo do Carmo e o Pelourinho”, o historiador faz breve referência à Planta de 1858, demonstrando conhecer o material, porém é interessante observar, que em obras anteriores, Meireles não a cita.

Em 2016, na dissertação de mestrado em arquitetura e urbanismo, apresentada na UFMG, intitulada, “Tudo isso era maré...”, de autoria de Joana Barbosa Vieira da Silva, a planta de 1858 também é utilizada e citada, cujo objeto principal da autora é a história e formação da ocupação do Bairro da “Camboa”, visto na planta como uma pequena península ainda desocupada, denominada de “Mato da Camboa”.

Talvez, a explicação para essa importante planta ter passado tanto tempo despercebida e desconhecida, seja o fato de seu original conhecido, encontrar-se esquecido nos acervos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e certamente, a explicação de seu recente acesso e divulgação, seja o fato da planta de 1858, encontrar-se digitalizada e disponível on line no acervo da BND (Biblioteca Nacional Digital).

O exato local do Pelourinho

O interessante e inédito que a Planta traz em relação às informações sobre esse monumento, é o ícone do Pelourinho e sua exata localização no Largo do Carmo (atual Praça João Lisboa), de frente ao início da Rua da Paz, no centro de uma diagonal com a Rua de Nazaré. Esta precisão, ainda não tinha sido confirmada pela bibliografia e documentação conhecida.

O Pelourinho foi inaugurado em setembro de 1815 no antigo Adro do Carmo, porém não foi o primeiro a ser instalado em São Luís, há registros que indicam a existência de outro ainda no século XVII, mas que desapareceu, talvez, por desgaste e deterioração e sua localização possivelmente não foi o Largo do Carmo, mas sim a Praça de Palácio e em frente à Casa da Câmara e Cadeia, hoje, Palácio La Ravardière. Portanto, a ideia de que o Pelourinho de 1815 seja considerado tardio e em local não tão apropriado, pois não ficava na Praça Cívica, na verdade, se explica, porque não foi o primeiro a ser instalado na Cidade de São Luís.

Em outubro de 2014, divulgamos uma pesquisa nossa que permitiu a localização do pedestal desse pelourinho de 1815, que foi aproveitado como base para construção da Pirâmide de Beckman, localizada na Avenida Beira-Mar e inaugurada em 28 de julho de 1910 para marcar o local da execução de Manoel Beckman e ao mesmo tempo, homenageá-lo. Essa informação, ou seja, a relação entre a Pirâmide de Beckman e antigo Pelourinho não constava mais nos livros sobre história do Maranhão nos últimos noventa anos, tinha se perdido. A historiografia, entendia que não havia restado  vestígios do monumento, que ele teria sido totalmente demolido com o advento da República, o que provamos o contrário, seu pedestal tinha permanecido.

Onde ficava a Pirâmide no Campo de Ourique ?

O monumento foi construído por membros do Exército para homenagear a Coroação do Imperador D. Pedro II, é um dos monumentos mais antigos de São Luís, projetado em 1841, pelo Tenente Coronel José Joaquim Rodrigues Lopes, do Imperial Corpo de Engenheiros e concluído em 28 de julho de 1844. Em fins do século XIX, o povo passou a chamar esse Obelisco de Pedra da Memória. Assim como no caso do Pelourinho, o dado novo é também o ícone, trazendo a exata localização desse monumento no Campo de Ourique, sua antiga localização de origem, quase na direção lateral do início da Rua dos Prazeres, de frente ao portão de retaguarda do Quartel Militar do 5.º Batalhão de Infantaria, antes de ser removido em 1946 para o Fortim de São Damião, semicírculo situado na Avenida Beira-Mar. Atualmente, esse local originário da Pedra da Memória é onde fica o prédio do Liceu Maranhense.

Cais da Sagração em construção

A planta mostra o Cais da Sagração em construção. Em 1858 a obra tinha atingido o início da praia do Caju, com mais ou menos, um terço construído. Os pontilhados seguintes na planta demonstram o restante a ser construído para sua conclusão, devendo chegar até o Largo dos Remédios, hoje, as imediações da Praça Gonçalves Dias e Praça Maria Aragão. O Cais teve sua construção iniciada em 11 de setembro de 1841, por ocasião das comemorações em homenagem a coroação e sagração de D. Pedro II, por isso que têm esse nome. Iniciado no começo do segundo reinando, no Império, teve altos e baixos, muitas interrupções e retomadas, mudanças de engenheiros responsáveis e outros empecilhos, sendo concluída somente na República, em julho de 1909, com uma pomposa cerimônia de inauguração, com direito a colher de pedreiro de prata para assentar a última pedra e argamassa, após 68 anos de construção. Essa obra foi possivelmente uma das mais longas do período imperial, seu objetivo principal era proteger as fundações da muralha de arrimo lateral do Palácio do Governo, que estava constantemente ameaçada com o avanço do mar, além de proteger toda margem esquerda do Rio Anil, que sofriam assoreamentos constantes provocados pelo o avanço do mar, além de questões sanitárias e de embelezamento daquela parte da cidade.


 As Praias antes do Cais

Um outro aspecto interessante da São Luís de meados do século XIX, que essa planta nos revela, são as praias existentes antes da construção do Cais da Sagração, que foram extintas e aterradas com a construção dessa obra, embora, perceba-se permanências de nomes de algumas delas na memória social, como a praia do Caju. Algumas delas são pouco conhecidas ou até mesmo, completamente desconhecidas. As praias citadas são: praia da Trindade (onde Beckman teria sido enforcado), praia Pequena, praia do Caju, praia do Cisco, praia de Santo Antônio e praia dos Remédios.

Campo de Ourique

A planta mostra que em 1858, toda área da frente do Quartel ainda era chamada de Campo de Ourique e a posterior também. Outras denominações também foram atribuídas a esse Campo, como Largo do Quartel (a área da frente) e Largo da Pirâmide (a área posterior), onde se localizava a Pirâmide. Com o advento da República, o Largo do Quartel, anteriormente denominado de Praça da Independência (1868), transformou-se em Praça Deodoro da Fonseca que é hoje o quadrilátero defronte à Praça do Panteon (fundada em 1954, em frente à Biblioteca Pública), erroneamente confundida com a Praça Deodoro. Percebe-se que os nomes “Campo de Ourique” e “Largo do Quartel”, mesmo depois das mudanças da toponímia, ainda permaneceram muito tempo depois no imaginário coletivo e na memória da Cidade até a primeira metade do século XX.

Quartel Militar

A pedra fundamental do Quartel Militar foi lançada ainda no período colonial em 1793, sob a denominação de 5.º Batalhão de Infantaria. Na sua conclusão em 1797, tinha capacidade para 1.333 praças, sendo considerado o primeiro do Brasil com tais acomodações e estrutura. O quartel foi erigido no centro do Campo de Ourique e observa-se que sua longa extensão ia desde o início da atual Praça do Panteon na Rua dos Remédios, atual Rio Branco até o fim das Avenidas Gomes de Castro e Silva Maia, abrangendo atualmente, Praça do Panteon, Biblioteca Pública Benedito Leite e o Sesc.

As escadarias da Igreja do Carmo

Percebe-se aí uma interessante curiosidade, que precisa ser mais bem estudada, quando se trata de Igreja do Carmo e suas famosas escadarias. No inicio do século XX, 1905, 1908, existem fotos dessa Igreja com uma escadaria frontal que leva à porta de entrada, hoje, essas escadarias são laterais. Entendia-se que, obviamente houve uma reforma e alterou-se o padrão original da escadaria, no entanto, a Planta, ora analisada, mostra que em 1858 existiam duas escadarias laterais de acesso à Igreja, parecidas com as que existem hoje. Pode-se então supor que talvez a reforma, modificando a escadaria frontal para duas laterais, fora no sentido de resgatar a forma original?

As Praças


Com essa denominação de Praça, a Planta destaca seis, a Praça da Alegria, Praça de Palácio, Praça da Correção, Praça do Açougue, Praça de Comércio e Praça do Portinho.

Praça da Alegria - Já com essa nova denominação e perspectiva, era o antigo Largo da Forca, local onde eram executados por enforcamento os delinquentes condenados à morte, geralmente escravos. Posteriormente, quando o Largo não cumpria mais com essa função, ficou a área conhecida como Largo da Forca Velha. Na década de 1860, a pena de morte fora abolida no Brasil.

Praça de Palácio - Onde ficava o antigo Palácio do Governo, hoje Palácio dos Leões, sede do executivo estadual. A denominação “Praça de Palácio” é pouco conhecida e citada, o logradouro é mais conhecido como Largo de Palácio, que é antiga Avenida Maranhense, atual Avenida Pedro II, rebatizada com esse nome em homenagem ao Centenário de D. Pedro II, em 1925.

Praça Correção - Praça em frente à Cadeia, onde hoje está o Hospital Universitário Presidente Dutra e suas imediações.

Praça de Comércio – Localizada no interior da Casa das Tulhas, quadrilátero de prédios com quatro entradas, para Rua da Estrela, Rua do Trapiche (Rua Portugal), Rua da Calçada (Beco Catarina Mina) e Beco da Alfândega. A Praça não existe mais, no seu lugar existe hoje o Mercado da Praia Grande, ocupação de pequenos comerciantes nos anos de 1940.

Praça do Açougue (Praça de Mercado) – Antigo mercado de São Luís do século XIX, antecessor do atual Mercado Central, porém é importante observar que não se localizava no mesmo local do atual. Esse de 1858 ficava hoje no final da Avenida Magalhães de Almeida, em frente ao final da Rua Direita (atual Henriques Leal).

Ruas, Becos e Travessas

As famosas e principais Ruas, assim como os Becos e Travessas do Centro Histórico de São Luís estão aí representadas nessa Planta com seus antigos, tradicionais e pitorescos nomes, a maioria da toponímia, permanecendo até hoje no gosto e na memória popular. Temos as cinco grandes e célebres artérias que iniciam no Largo do Carmo e desembocam no Campo de Ourique e imediações, como a Rua do Sol, Rua da Paz, Rua dos Afogados com o nome de Rua das Violas, Rua Grande - já com essa denominação em toda sua extensão -, Rua de Santana e a Rua do Quebra Costa (Pacotilha/João Vital de Matos), com a denominação de Rua e não de Beco, via de ligação entre a cidade baixa (Praia Grande) e a cidade alta (Centro). 

Destaque para o “Beco de João do Val”, na lateral no muro da Catedral da Sé e do Paço Episcopal, ligação do “Jardim” (Praça Benedito Leite) à Rua do Egito. Beco da Alfandega (com escadaria); Beco Novo (onde hoje, está localizado o Banco do Brasil da Praia Grande) - lateral do Arsenal de armas e munições, hoje, prédio da Câmara Municipal; Beco da Prensa, Rua Direita e Beco do Deserto, todos com a maré avançando e atingindo suas bases e perímetros, daí o nome dessa área de Praia Grande, porque uma extensa área do Bairro era banhada por uma “Praia Grande”, margem esquerda do Rio Bacanga em oposição às outras, menores, do lado da margem esquerda do Rio Anil.

Os Largos

A Planta de 1858 traz a localização de nove Largos, são eles: Largo dos Remédios, atual Praça Gonçalves Dias; Largo de Santo Antônio, atual Praça de Santo Antônio, Largo do Carmo, atual Praça João Lisboa; Largo das Mercês (espaço em frente a Cafua das Mercês e parte do estacionamento dos fundos do Convento); Largo São João, em frente a Igreja do mesmo nome; Largo da Fonte das Pedras, Largo do Desterro, Largo da Madre Deus e Largo de São Thiago, este último, não existe mais, seria hoje, toda aquela área onde fica o Hipermercado Mateus, as ruínas da Fábrica Martins, Irmão & Cia e toda a  circunvizinhança residencial de toda aquela quadra.



Um comentário:

  1. Achei maravilhoso! Meus sinceros parabéns ao IHGM pelo trabalho excelente durante décadas. Vida longa!

    ResponderExcluir