segunda-feira, 7 de maio de 2012

A PEDRA DA MEMÓRIA E A COROAÇÃO DO IMPERADOR

                                                                             
Euges Silva de Lima
Prof. de História
                                                                                                                                    



Pesquisando na internet, achei um artigo sobre o Instituto de História e Geografia do Maranhão[1], publicado em junho de 2011, na Revista Eletrônica “Patrimônio e Memória” do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, com o título: “INSTITUTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA DO MARANHÃO(IGHM)[2]: PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E HISTÓRIA COMO PRINCÍPIOS DE PERPETUAÇÃO DA IMAGEM DE UM MARANHÃO GRANDIOSO, de autoria do professor José Henrique de Paula Borralho, doutor do Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). O autor discute a fundação do IHGM, em 1925, mostrando que a mesma não ocorre de forma isolada, mas situada num contexto, no bojo do surgimento de várias outras agremiações culturais, que vão aparecer em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, como a Oficina dos Novos(1900), a Academia Maranhense de Letras(1908), a Faculdade de Direito(1918), entre outras, e que há elementos comuns entre elas e surgimento do IHGM.
Um deles é que todas essas entidades foram fundadas basicamente, com algumas variações, pelo mesmo grupo de intelectuais, pela mesma geração, os chamados “Novos Atenienses” e que possuíam, portanto, os mesmos objetivos:
“Todos eles eram signatários da idéia de perpetuação das tradições do Estado, proclamada primeiro pela Oficina dos Novos, depois Academia Maranhense de Letras, Faculdade de Direito, Sociedade Musical Maranhense e finalmente, Instituto de História e Geografia.” (BORRALHO, 2011, p. 22)
O perfil traçado pelo professor Borralho sobre o IHGM e sua fundação é interessante, nos ajuda a entender mais sobre a história dessa instituição, o contexto histórico de seu nascimento e seus significados subjacentes.
Não existe divergência quanto a sua abordagem, pelo menos no que concerne ao IHGM, não obstante, não é exatamente sobre isso que queremos discorrer, é sobre um aspecto em particular do texto, que nos chamou atenção, nesse ponto, sim, há divergências. Trata-se das referências à “Pedra da Memória”, atribuídas pelo autor. Ao citar certo levantamento promovido por membros do Instituto, acerca da história e condições dos monumentos da cidade de São Luís, assevera Borralho(2011, p.23):
“O primeiro monumento pesquisado e arrolado no relatório foi a “Pirâmide da memória[3]”. Tal monumento foi erguido para comemorar a coroação de D. Pedro I (grifo nosso), inicialmente erguida no Campo d’Ourique, centro da cidade, cuja simbologia continha as armas do império, tendo sido iniciada em 15 de setembro de 1841 e concluída em 28 de julho de 1844.”


Observa-se no trecho acima que o autor confunde os homenageados, troca o filho pelo pai, Pedro II por Pedro I. Atribui o erguimento da Pedra da Memória que ele chama de “Pirâmide da memória” à coroação do Imperador D. Pedro I, quando na verdade, sabe-se que tal monumento foi erigido para comemorar a Sagração do Imperador D. Pedro II, ocorrida em 18 de julho de 1841 no Rio de Janeiro[4].
Estranha-me esse equívoco, pois é uma informação relativa à história do Maranhão bastante elementar, quase que notória, principalmente para historiadores regionais. Quais seriam então as fontes do autor para fazer tal afirmação?
A Pedra da Memória é talvez o monumento mais antigo do Maranhão, projetada em 18 de agosto de 1841 pelo Tenente Coronel, José Joaquim Rodrigues Lopes, do Imperial Corpo de Engenheiros e concluída em 28 de julho de 1844[5]. Constitui uma importante fonte de pesquisa desse período, felizmente, foi preservada, está lá, intacta[6], em um dos semicírculos da Avenida Beira Mar, o fortim de São Damião, conhecido também como meia laranja, próximo às muralhas do Palácio dos Leões.
Para se ter certeza sobre a qual memória as autoridades da época queriam guardar para posteridade e a qual a coroação ela faz alusão, se de D. Pedro I ou D. Pedro II, basta fazer uma pesquisa in loco, e então vamos ver de primeira mão, grifada no próprio monumento a seguinte inscrição:

“A MEMORIA DA COROAÇÃO DE S.M.I.
OS. D. P. 2.º I. C. P.D.do B
ERIGEM ESTE MONEMENTO
OS MEMBROS DO EXERCITO
QUE NA PROVINCIA ESTÃO
SENDO PRESIDENTE
O ILL.mo e Ex. o Sr. DOUTOR
JOÃO ANTONIO DE MIRANDA.
18e41.
COM me.  DAS ARMAS O ILLmo Sr. CORONEL
FRANCISCO JOZE MARTINS.
1841. ”

César Marques (1970, p.430-431), em seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, no verbete “LARGO DO QUARTEL ou CAMPO DO OURIQUE” cita a inscrição acima. Mário Meireles (1964, p. 30), na obra, “São Luís, Cidade dos Azulejos”, também a cita, mas comete alguns erros na transcrição:

“À memória da coroação de S.M.I. o Sr. D. Pedro II,
I. C. e P.do B., erigem este monumento os mem-
bros do exército, que na província estão, sendo pré-
sidente o ILm.º Sr. Coronel Francisco José Martins.
(grifo nosso)1841.”

Verifica-se em Meireles, uma citação da inscrição da Pedra da Memória, muito semelhante à feita por César Marques, com a mesma grafia e traduções de algumas siglas, como por exemplo: S(Sr.) e P(Pedro). No entanto, Meireles, suprime trechos e erra ao trocar o nome do presidente da província(1841). Em vez de atribuir a presidência a João Antônio de Miranda, confunde-se e cita como presidente o comandante de armas, Coronel Francisco José Martins.
Ao analisar ao vivo a inscrição na Pedra da Memória, ainda antes da restauração de 2011, realizada pela Prefeitura de São Luís, as pichações no monumento atrapalhavam um pouco a visualização. As siglas contidas na inscrição, de repente, também, poderiam lançar algumas dúvidas, então realizei uma pesquisa bibliográfica e em jornais de época para traduzir literalmente o que aquelas siglas realmente significam.
De início, a possibilidade de ser um monumento em homenagem a Coroação de D. Pedro I fora logo descartada, os autores acima citados, entre outros, são bem categóricos quanto à identidade do homenageado e o motivo da comemoração. Percebemos que poucos citavam o que estava escrito no monumento para fundamentar suas informações, salvo os já mencionados, e mesmo esses, não se preocuparam em fazer uma tradução pormenorizada das siglas. Sendo assim, o “enigma” pôde ser decifrado e a tradução completa da inscrição fica assim:

A MEMORIA DA COROAÇÃO DE SUA
MAGESTADE IMPERADOR
O SENHOR DOM PEDRO 2.º IMPERADOR CONSTITUCIONAL PERPETUO DEFENSOR do BRASIL(grifo nosso)
ERIGEM ESTE MONEMENTO
OS MEMBROS DO EXERCITO
QUE NA PROVINCIA ESTÃO
SENDO PRESIDENTE
O ILL.mo e Ex. o Sr. DOUTOR
JOÃO ANTONIO DE MIRANDA.
18e41.
COMMANDANTE DAS ARMAS O ILLmo Sr. CORONEL
FRANCISCO JOZE MARTINS.
1841. ”

“Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil”, era um título comumente utilizado por D. Pedro II[7] ou quando se fazia referência a ele, visto junto à sua assinatura, em vários documentos oficiais. A priori, poderia até se pensar que o equívoco de Borralho, fosse apenas um mero erro de digitação, um lapso, caso se tratasse de uma afirmação única, isolada, mas com a continuidade da leitura do texto, observa-se, claramente, repetidas vezes, a reafirmação do autor, no sentido de considerar D. Pedro I como o homenageado:

“Há uma série de questões a serem levantadas nessas pequenas informações. A primeira diz respeito à referência ao homenageado, D. Pedro I. (grifo nosso)” (BORRALHO, 2011, p. 23)

Importante observar que o autor a partir da informação equivocada de que D. Pedro I é o homenageado da Pedra da Memória, levanta uma série de questões, estabelece conexões com outros períodos da história do Maranhão e formula hipóteses. Nesse sentido, estabelece relação com o contexto histórico da “adesão” do Maranhão à independência do Brasil e seus desdobramentos regionais. Conexões que poderiam até fazer algum sentido, caso o homenageado não fosse D. Pedro II, portanto, inserido num contexto histórico diferente daquele sugerido pelo autor, não se tratando assim, de “um esforço de (re)criação da memória”.
Borralho, também relaciona a construção da Pedra da Memória com a Balaiada. Segundo ele, a eclosão dessa revolta coincide com o lançamento da pedra fundamental do monumento em 1841. De fato, é perfeitamente plausível fazer uma ligação entre esses dois episódios, há um sentido nessa relação, principalmente no que diz respeito à idéia de unidade e ordenamento nacional que o monumento poderia estar representando, ambos se dão no mesmo momento histórico, no período inicial do Segundo Império no Maranhão, todavia, dizer que a Balaiada eclode em 1841, talvez não seja o caso. Geralmente,o período adotado pela historiografia sobre esse movimento, se dá entre 1838 e 1841, portanto, o lançamento da pedra fundamental do monumento, está mais para o fim da Balaiada que de sua eclosão, no sentido de início, surgimento.
Para Borralho(2011, p. 24), “Erigir um monumento em homenagem a D. Pedro I, em plena Balaiada, era um esforço de criação da memória [...]”.Seria, se o homenageado fosse D. Pedro I, o que observamos que não era. Há, sim, com a inauguração da Pedra, uma tentativa de preservação de uma memória para a posteridade, mas não a apontada pelo autor, ou seja, os anos vinte do século XIX e a coroação de D. Pedro I. Assim, acabam por se tornarem inválidas, as premissas e hipóteses levantadas por ele.
A memória que a Pedra pretendia realmente guardar era a da Coroação de D. Pedro II e de tudo que ela representava e simbolizava, inclusive, no Maranhão pós Balaiada, haja vista que esse monumento somente é concluído em 1844.
É preciso notar que o ano de 1841 é o ano da Sagração de D. Pedro II, como Imperador do Brasil, na Capital do Império, marcada por grandes cerimônias e solenidades, com muita pompa e circunstância, digna das coroações das grandes monarquias européias e que provavelmente repercutiu em todas as provínciasdo Brasil.
No Maranhão, a chegada da notícia sobre a coroação do Imperador gerou três dias de festejos e comemorações, dias 14, 15 e 16 de setembro de 1841, principalmente em São Luís[8], verdadeira festa cívica, comandada pelo presidente da província, João Antônio de Miranda, culminando com a criação de orfanato, lançamento de obras públicas e monumentos.
Escrevendo para o Sr. Cândido José de Araujo Viana, Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império, descreveu assim o lançamento da Pedra da Memória, o presidente da província:

“Na tarde do dia 15 houve nova e magnífica parada no campo de Ourique, para onde ainda concorrerão as pessoas mais gradas da capital, e immenso povo, ahi tive a honra ainda de lançar a pedra fundamental para uma Pyramide, que a corporação Militar inaugurou á Sagração de S. M. o Imperador.” (JORNAL MARANHENSE,anno I, n. 27, 1841, p. 1)

Como parte dessas homenagens feitas no Maranhão à Coroação do Imperador que se inicia a construção do Cais da Sagração no dia 14 de setembro de 1841 e a aprovação da lei pela Assembléia Provincial que cria a Casa dos Educandos Artífices, uma espécie de orfanato profissionalizante para órfãos e menores abandonados, inspirada na Casa dos Educandos do Pará. É no contexto dessas comemorações quarentista que são lançados os fundamentos da Pedra da Memória e que se explicam as razões de sua homenagem a D. Pedro II.



NOTAS:


[1]Em discurso feito por Antônio Lopes, em 1946, por ocasião do vigésimo primeiro aniversáriodo IHGM, já se observa a denominação atual dessa associação, isto é, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Sobre isso, ver LOPES, Antônio. Estudos Diversos. São Luís: Sioge, 1973, p. 104.
[2]A sigla correta seria IHGM.
[3] Durante o século XIX, a Pedra da Memória era conhecida como Pirâmide. Segundo César Marques (1970, p.430), depois de seu erguimento no Campo deOurique, a parte da frente do então Quartel(atual Biblioteca Pública Benedito Leite), passou a se chamar de Largo do Quartel e a de trás, Campo de Ourique ou Largo da Pirâmide, numa referência ao monumento.
[4] Sobre as cerimônias e solenidades da Coroação e Sagração de D. Pedro II, ver SCHWARCZ, Lilia Moritz. AS BARBAS DO IMPERADOR: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
[5] Quando da conclusão da Pirâmide ou Pedra da Memória, o presidente da Província do Maranhão era o Dr. João José de Moura Magalhães. Em nossas pesquisas não encontramos a data exata de sua inauguração. O 28 de julho que comumente é citado como data de inauguração do monumento, a rigor, é a data da sua conclusão, não necessariamente inauguração, ver MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Cia. Editora Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 431.
[6] Em 1943, com o loteamento do Campo deOurique, o escritor Joaquim Vieira da Luz liderou um movimento para não deixar a Pedra da Memória ser destruída, conseguiu transferi-la para o atual local, nas proximidades do Cais da Sagração, na Avenida Beira Mar. Em 1950, nas administrações  Sebastião Archer (governador) e Costa Rodrigues (prefeito),o monumento passou por uma restauração. Em 2011, a Pedra voltou a ser restaurada, sendo incluído um sistema de iluminação.
[7] Ver ALMANAK DO MARANHÃO [1849]. São Luís: Edições AML, 1990. p 49.
[8] Embora a maioria das comemorações à Coroação de D. Pedro II no Maranhão, tenha se concentrado em São Luís, verifica-se também em outros lugares da província, sinais dessas homenagens, como é o caso da vila de Brejo.




REFERÊNCIAS



ALMANAK DO MARANHÃO (1849). São Luís: Edições AML, 1990.

ARANHA E SILVA, Celeste Amancia e BRAGA, Maria de Jesus Martins. Jornais Maranhenses (1821-1979). São Luís, 1981.

BORRALHO, José Henrique de Paula. Instituto de História e Geografia do Maranhão (IGHM): patrimônio, memória e história como princípios de perpetuação da imagem de um Maranhão grandioso in Revista Eletrônica Patrimônio e Memória – UNESP, v. 7, n. 1, p. 19-37, jun. 2011. Disponível: http://www.cedap.assis.unesp.br/patrimonio_e_memoria/patrimonio_e_memoria_v7.n1/home.html. Acesso: 07/01/2012.

GEOGRAPHIA E HISTÓRIA:Revista Trimensal do Instituto de História e Geografia do Maranhão. Anno I. Num. 1, S. Luiz: Typ. Texeira, 1926.

JORNAL MARANHENSE. Anno I, n. 2, n. 5, n. 7, n. 15-18, n. 20-28, n. 35-39, 1841.

LIMA, Carlos de. História do Maranhão: a monarquia. 2. Ed. São Luís: Instituto Géia, 2008.

LOPES, Antônio. Estudos Diversos. São Luís: Sioge, 1973.

MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Cia. Editora Fon-Fon e Seleta, 1970.

MEIRELES, Mário Martins. Guia Turístico: São Luís do Maranhão (1612-1962). São Luís, s/d.

____________. São Luís: cidade dos azulejos. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy Ltda, 1964.


RAMOS, Albani e DUARTE, Sebastião Moreira. São Luís: alma e história. São Luís: Instituto Geia, 2007.

REINALDO, Telma Bonifácio dos Santos et al. APOSTILA DE ESTUDOS SOCIAIS: apontamentos sobre São Luís do Maranhão. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. São Luís: Lithograf, 1993.

SANTOS, Waldemar. Fragmentos da História do Maranhão. São Luís, 1982.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.



                                                  


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