domingo, 14 de setembro de 2014

Danos causados com destruição de casarões são irreparáveis


Do Imirante

Sem interesse em reforma e em busca por lucro fácil, proprietários de casarões optam por destruir o patrimônio.

Em março deste ano, o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) deu o alarme: a casa de um dos maiores escritores do nosso país, Aluísio de Azevedo, estava sendo destruída para virar estacionamento. Um post em rede social deu início à revolta cibernética que, em menos 12 horas, já tinha mais de 8 mil interações. Daí o evento tomou conta da cidade e do país, jornais, revistas, sites, blogs em todo o Brasil davam conta de que o local de extrema importância cultural e histórica estava sendo destruído.
Na época, em nota, a Superintendência do Patrimônio Cultural (SPC), órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura (Secma), afirmou que reconhecia a importância do casarão, situado na Rua do Sol, na esquina com Rua da Mangueira. Afirmou também que o proprietário do imóvel apresentou ao órgão um projeto de recuperação do prédio, mas a obra foi embargada porque os donos não seguiram as especificações contidas no projeto de restauro aprovado pela SPC, por meio do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP). Foram tomadas providências administrativas referentes ao caso, com o acionamento da Delegacia de Meio Ambiente e do Ministério Público e o inquérito corre na Justiça.
Acuado, o dono do prédio desistiu do estacionamento, mas o estrago já estava feito. Pessoas que moram ou convivem perto da residência dizem que o local era muito bonito, com piso de madeira, uma escada, também de madeira, que dava para o mirante, e divisões bem feitas. Mas hoje não existe mais nada disso. Tudo foi destruído, resta fachada e alguns ferros retorcidos do lado de dentro. Todas as janelas estão lacradas com tijolos, e até mesmo o portão de rolo de ferro foi concretado para evitar que seja aberto.
O presidente do IHGM, Euges Lima, afirmou que "em qualquer país sério a casa, que aqui em São Luís pertence a particulares, já teria virado um museu", mas, ao contrário, vem sofrendo um processo intenso de degradação, sem que nada seja feito pelos órgãos competentes.
Lei - O artigo 17, do Decreto Lei nº 25 de 1937, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, diz que as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem sem prévia autorização do órgão responsável, no caso o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ser reparadas, pintadas ou restauradas. A multa, em caso de descumprimento, é de 50 % do dano causado.
Já outro decreto, o 2.484, de 1940, que institui o Código Penal, afirma que destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico resulta em pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. O artigo 166 do mesmo código diz que somente alterar, sem licença, o aspecto do local protegido por lei rende prisão de um mês a um ano e multa.
A legislação ainda prevê que o proprietário de um bem tombado, que não dispuser de recursos para efetuar obras de conservação e reparação, poderá levar isso ao conhecimento das entidades responsáveis, relatando qual a necessidade. O órgão, considerando a necessidade da obra, poderá mandar executar o reparo às custas da União e também, em casos específicos, providênciar a desapropriação do bem.
Estacionamento irregular no Centro tem lucro garantido
São vários os fatores que levam o aparelhamento dos casarões no centro de São Luís para que virem estacionamentos. O primeiro é a demanda. A região ainda abriga o principal centro comercial do estado, a Rua Grande. As transversais abrigam outros comércios varejistas. E o programa de preservação do Centro Histórico incentivou a localização e a concentração de órgãos de funções administrativas dos níveis federal, estadual e municipal. "O problema de estacionamento no Centro Histórico é uma questão que ainda permanece com muitas deficiências, apesar da construção de alguns estacionamentos em volta da área, os usos instalados no local, como equipamentos culturais, instituições, favorecem a concentração de pessoas e a geração de tráfego, criando uma demanda de áreas para estacionamento", explica Karoliny Diniz Carvalho, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão.
Aliado a isso, tem a falência do sistema rotativo de estacionamento, que, mesmo quando funcionava, não era suficiente para atender à demanda. Até 2012, quando o sistema ainda era ativo, eram apenas 1.014 vagas e apenas 380 estavam funcionando efetivamente, as outras estavam com os parquímetros desativados.
O resultado é que faltam vagas nas ruas e os condutores terminam por entrar nos estacionamentos que funcionam nos casarões, alimentando um negócio rentável, já que os donos desses locais, por estarem em situação irregular, não têm alvará de funcionamento e não pagam impostos, restando apenas o salário de funcionários.
Em um estacionamento com capacidade para 30 vagas, em que a hora custa R$ 3,00, a arrecadação pode chegar a mais de R$ 1.260,00 diários, se o estabelecimento atender a sua capacidade máxima e um horário de funcionamento que geralmente vai das 6h às 20h. E locais mais privilegiados, como próximo a bancos e estabelecimentos comerciais, ou mesmo mais perto da Rua Grande, os preços são mais altos e chegam até a R$ 5,00, por hora.
Isso sem contar os mensalistas, que em vez de fazerem um pagamento diário, optam por fechar um contrato mensal com o dono do estacionamento. Geralmente quem faz esse tipo de negócio são pessoas que trabalham no Centro e não querem perder tempo procurando estacionamento ou não confiam em deixar o veículo na rua, aos cuidados de um flanelinha.
Saiba mais
PRISÃO
A empresária Creusa Cutrim Everton foi detida em 1º de julho de 2008 suspeita de ter destruído a estrutura interna de cinco casarões na rua Cândido Ribeiro, no Centro, para transformar o local em estacionamentos. A prisão ocorreu depois de uma operação conjunta entre a Polícia Federal, o Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério Público Federal (MPF). Os cinco casarões, construídos no século XIX, eram da antiga Vila Operária da Fábrica Santa Amélia. A obra havia sido embargada em 19 de maio, pelo Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP), órgão ligado à Secretária de Cultura do Estado. Mas a proprietária desobedeceu o embargo. Depois a Prefeitura também embargou a obra, fato que foi mais uma vez ignorado.
PAC
O prédio na esquina da Rua 4 de Julho com a Rua da Palma será reformado graças a recursos enviados pelo PAC Cidade Históricas, do Governo Federal, que prevê a reforma e restauração de 44 pontos históricos em São Luís, incluindo vários prédios que estavam abandonados e irão abrigar órgãos públicos. No total, foram destinados R$ 133 milhões, apenas para São Luís. As obras de reforma já começaram em prédios na Rua da Estrela, que vai servir de sede para a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), na Praça da Alegria, Palácio Cristo Rei (em frente à praça Gonçalves Dias), Palácio das Lágrimas (Faculdade de Odontologia, na rua da Paz, Centro), no Anexo da Faculdade de História da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e no antigo Hotel Ribamar (Praça João Lisboa). Todos os 44 projetos já estão licitados e, até dezembro, pelo menos 15 obras já estarão em andamento.