Sem
interesse em reforma e em busca por lucro fácil, proprietários de casarões
optam por destruir o patrimônio.
Em março
deste ano, o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) deu o alarme:
a casa de um dos maiores escritores do nosso país, Aluísio de Azevedo, estava
sendo destruída para virar estacionamento. Um post em rede social deu início à
revolta cibernética que, em menos 12 horas, já tinha mais de 8 mil interações.
Daí o evento tomou conta da cidade e do país, jornais, revistas, sites, blogs
em todo o Brasil davam conta de que o local de extrema importância cultural e
histórica estava sendo destruído.
Na época,
em nota, a Superintendência do Patrimônio Cultural (SPC), órgão vinculado à
Secretaria de Estado da Cultura (Secma), afirmou que reconhecia a importância
do casarão, situado na Rua do Sol, na esquina com Rua da Mangueira. Afirmou também
que o proprietário do imóvel apresentou ao órgão um projeto de recuperação do
prédio, mas a obra foi embargada porque os donos não seguiram as especificações
contidas no projeto de restauro aprovado pela SPC, por meio do Departamento de
Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP). Foram
tomadas providências administrativas referentes ao caso, com o acionamento da
Delegacia de Meio Ambiente e do Ministério Público e o inquérito corre na
Justiça.
Acuado, o
dono do prédio desistiu do estacionamento, mas o estrago já estava feito.
Pessoas que moram ou convivem perto da residência dizem que o local era muito
bonito, com piso de madeira, uma escada, também de madeira, que dava para o
mirante, e divisões bem feitas. Mas hoje não existe mais nada disso. Tudo foi
destruído, resta fachada e alguns ferros retorcidos do lado de dentro. Todas as
janelas estão lacradas com tijolos, e até mesmo o portão de rolo de ferro foi
concretado para evitar que seja aberto.
O
presidente do IHGM, Euges Lima, afirmou que "em qualquer país sério a
casa, que aqui em São Luís pertence a particulares, já teria virado um
museu", mas, ao contrário, vem sofrendo um processo intenso de degradação,
sem que nada seja feito pelos órgãos competentes.
Lei - O
artigo 17, do Decreto Lei nº 25 de 1937, assinado pelo então presidente Getúlio
Vargas, diz que as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas,
demolidas ou mutiladas, nem sem prévia autorização do órgão responsável, no
caso o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ser
reparadas, pintadas ou restauradas. A multa, em caso de descumprimento, é de 50
% do dano causado.
Já outro
decreto, o 2.484, de 1940, que institui o Código Penal, afirma que destruir,
inutilizar ou deteriorar coisa tombada em virtude de valor artístico,
arqueológico ou histórico resulta em pena de detenção de seis meses a dois anos
e multa. O artigo 166 do mesmo código diz que somente alterar, sem licença, o
aspecto do local protegido por lei rende prisão de um mês a um ano e multa.
A
legislação ainda prevê que o proprietário de um bem tombado, que não dispuser
de recursos para efetuar obras de conservação e reparação, poderá levar isso ao
conhecimento das entidades responsáveis, relatando qual a necessidade. O órgão,
considerando a necessidade da obra, poderá mandar executar o reparo às custas
da União e também, em casos específicos, providênciar a desapropriação do bem.
Estacionamento
irregular no Centro tem lucro garantido
São
vários os fatores que levam o aparelhamento dos casarões no centro de São Luís
para que virem estacionamentos. O primeiro é a demanda. A região ainda abriga o
principal centro comercial do estado, a Rua Grande. As transversais abrigam
outros comércios varejistas. E o programa de preservação do Centro Histórico
incentivou a localização e a concentração de órgãos de funções administrativas
dos níveis federal, estadual e municipal. "O problema de estacionamento no
Centro Histórico é uma questão que ainda permanece com muitas deficiências,
apesar da construção de alguns estacionamentos em volta da área, os usos
instalados no local, como equipamentos culturais, instituições, favorecem a
concentração de pessoas e a geração de tráfego, criando uma demanda de áreas
para estacionamento", explica Karoliny Diniz Carvalho, doutora em Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Maranhão.
Aliado a
isso, tem a falência do sistema rotativo de estacionamento, que, mesmo quando
funcionava, não era suficiente para atender à demanda. Até 2012, quando o
sistema ainda era ativo, eram apenas 1.014 vagas e apenas 380 estavam
funcionando efetivamente, as outras estavam com os parquímetros desativados.
O
resultado é que faltam vagas nas ruas e os condutores terminam por entrar nos
estacionamentos que funcionam nos casarões, alimentando um negócio rentável, já
que os donos desses locais, por estarem em situação irregular, não têm alvará
de funcionamento e não pagam impostos, restando apenas o salário de
funcionários.
Em um
estacionamento com capacidade para 30 vagas, em que a hora custa R$ 3,00, a
arrecadação pode chegar a mais de R$ 1.260,00 diários, se o estabelecimento
atender a sua capacidade máxima e um horário de funcionamento que geralmente
vai das 6h às 20h. E locais mais privilegiados, como próximo a bancos e estabelecimentos
comerciais, ou mesmo mais perto da Rua Grande, os preços são mais altos e
chegam até a R$ 5,00, por hora.
Isso sem
contar os mensalistas, que em vez de fazerem um pagamento diário, optam por
fechar um contrato mensal com o dono do estacionamento. Geralmente quem faz
esse tipo de negócio são pessoas que trabalham no Centro e não querem perder
tempo procurando estacionamento ou não confiam em deixar o veículo na rua, aos
cuidados de um flanelinha.
Saiba
mais
PRISÃO
A
empresária Creusa Cutrim Everton foi detida em 1º de julho de 2008 suspeita de
ter destruído a estrutura interna de cinco casarões na rua Cândido Ribeiro, no
Centro, para transformar o local em estacionamentos. A prisão ocorreu depois de
uma operação conjunta entre a Polícia Federal, o Instituto de Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério Público Federal (MPF). Os
cinco casarões, construídos no século XIX, eram da antiga Vila Operária da
Fábrica Santa Amélia. A obra havia sido embargada em 19 de maio, pelo
Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão
(DPHAP), órgão ligado à Secretária de Cultura do Estado. Mas a proprietária
desobedeceu o embargo. Depois a Prefeitura também embargou a obra, fato que foi
mais uma vez ignorado.
PAC
O prédio
na esquina da Rua 4 de Julho com a Rua da Palma será reformado graças a
recursos enviados pelo PAC Cidade Históricas, do Governo Federal, que prevê a
reforma e restauração de 44 pontos históricos em São Luís, incluindo vários
prédios que estavam abandonados e irão abrigar órgãos públicos. No total, foram
destinados R$ 133 milhões, apenas para São Luís. As obras de reforma já
começaram em prédios na Rua da Estrela, que vai servir de sede para a Fundação
de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão
(Fapema), na Praça da Alegria, Palácio Cristo Rei (em frente à praça Gonçalves
Dias), Palácio das Lágrimas (Faculdade de Odontologia, na rua da Paz, Centro),
no Anexo da Faculdade de História da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e
no antigo Hotel Ribamar (Praça João Lisboa). Todos os 44 projetos já estão
licitados e, até dezembro, pelo menos 15 obras já estarão em andamento.