quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A missão de Tiradentes era executar o governador de Minas



Do site o Globo Ciência/História

 


Fundador do Programa de Estudos do Brasil da Universidade de Harvard, o historiador Kenneth Maxwell é o grande destaque do Festival de História de Diamantina, que ocorre entre os dias 19 e 22 de setembro. A programação deste ano tem como eixo condutor a versão dos vencidos para significativos fatos da História nacional, e Maxwell falará sobre a Inconfidência Mineira, o papel de Tiradentes e sua relação com a Revolução Americana, dentro do contexto político internacional da época, um tema sobre o qual o historiador se dedica há quatro décadas.

Em sua palestra de abertura no festival, o senhor vai falar sobre a relação entre Tiradentes e os textos constitucionais americanos. Quais são os pontos em comum entre a Inconfidência e a Revolução Americana?

A conspiração de Minas foi o primeiro movimento anticolonial, republicano e constitucionalista das Américas depois do sucesso da revolução das colônias inglesas na América do Norte. A conspiração mineira ocorreu no fim de 1788, início de 1789. Em outras palavras, ela ocorreu antes da Revolução Francesa de 1789, bem como antes da revolta dos escravos no Haiti, a então colônia francesa de Santo Domingo, em 1792. A consequência é que a Inconfidência ocorreu numa cronologia muito especial. Entre 1776 e 1789 as autoridades portuguesas ficaram muito nervosas quando descobriram os textos constitucionais americanos, reunidos (no livro) “Recueil des Loix Constitutives de l’Etats-Unis”, em posse dos conspiradores mineiros e sendo debatidos por eles enquanto planejavam a revolta contra Portugal e discutiam a forma constitucional que teria a nação republicana que pretendiam estabelecer quando a revolta fosse bem-sucedida.

Como o senhor vê a figura de Tiradentes? Um líder real da revolta ou apenas uma marionete?

Tiradentes foi um líder crucial da revolta proposta. Sua tarefa era liderar o levante militar, prender o governador e executá-lo.

Como o livro com a Declaração da Independência dos EUA chegou a Minas Gerais? E por que ele chegou em uma versão francesa?

O “recueil” tinha sido trazido de Birmingham, na Inglaterra, por José Álvares Maciel. Ele o levou para Minas em 1788. Na verdade, existiam duas cópias do “recueil” em Minas, em 1788. A cópia trazida por Álvares Maciel e uma outra, de José Pereira Ribeiro. A cópia de Álvares Maciel é aquela que ficou conhecida como “o livro de Tiradentes”. Tiradentes tinha essa cópia com ele, no Rio de Janeiro. Logo depois de ser preso, em 10 de maio de 1789, ele a deu para um dos membros dos dragões da Independência, Xavier Machado, que a levou de volta para Vila Rica (atual Ouro Preto). É a cópia que se encontra hoje na coleção do Museu da Independência, em Ouro Preto. A outra cópia, aparentemente, foi destruída pelos conspiradores de Minas, antes de ser apreendida.

Qual a importância desse livro na Inconfidência Mineira?

Os conspiradores de Minas viram o sucesso da revolução americana e seus textos constitucionais como modelos do que eles queriam alcançar para o Brasil. O “recueil” foi publicado na França, em francês, em 1778, e foi dedicado a Benjamin Franklin. O livro contém os documentos constitucionais fundadores dos Estados Unidos da América (entre eles a Declaração de Independência propriamente dita e as constituições de seis dos 13 estados).

Qual a relação entre Thomas Jefferson, estudantes brasileiros na França e a Inconfidência Mineira?

Thomas Jefferson sucedeu (Benjamin) Franklin como enviado dos Estados Unidos na França. Em 1787, ele se encontrou, secretamente, com um estudante brasileiro da Universidade de Montpellier, em Nimes. Eles discutiram os planos de uma revolta contra Portugal, no Brasil. Jefferson relatou, em detalhes, a conversa a John Jay, secretário de correspondências secretas do Congresso. Os conspiradores de Minas também obtiveram um relato acurado sobre o que Jefferson disse em Nimes.

Na sua opinião, por que a Independência brasileira demorou tanto e acabou sendo feita pela monarquia?

Essa é uma história complicada. Mas, em resumo, depois do fracasso da conspiração de Minas e do medo do exemplo da rebelião de escravos no Haiti, muitos membros da monarquia acabaram se tornando mais cautelosos sobre os ideais republicanos. Ao mesmo tempo, lideranças portuguesas também se mexeram no sentido de conciliar tais ideais. Não foi um processo simples, mas quando a Corte portuguesa se mudou para o Rio, em 1808, teve início um período de consolidação das muitas instituições de um governo central. Isso teve um papel fundamental no estabelecimento da monarquia no Brasil e em sua continuidade até 1889.

Como o senhor vê o Brasil hoje, como uma das maiores economias do mundo, mas ainda lutando contra uma herança colonial significativa e uma grande desigualdade de renda?

Muito foi alcançado nas duas últimas décadas; isso é verdade e deve ser reconhecido: democratização, aumento das oportunidades para uma parcela crescente da população, a maior participação do Brasil no mundo, a internacionalização dos negócios e da mídia, mais comércio, sucesso nas artes, na cultura e nos esportes, a capacidade de mobilização do povo. Mas o legado da desigualdade permanece como um grande desafio. A despeito das novas tecnologias, das práticas políticas, da administração cotidiana, o país, por vezes, permanece atolado no passado e cativo de velhos padrões.

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