DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR EUGES SILVA DE LIMA, NA CADEIRA DE N.º 22, COMO SÓCIO EFETIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO.
Senhora Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Professora Dra. Telma Bonifácio dos Santos Reinaldo;
Convidados, profissionais da educação, senhores e senhoras;
Confrades e Confreiras.
É com júbilo que assumimos hoje, nesta prestigiosa e tradicional associação, a cadeira de número 22, patroneada pelo célebre historiador maranhense do século XIX, César Augusto Marques e que teve como último ocupante, o historiador Carlos de Lima.
Sinto-me bastante honrado em adentrar neste sodalício, na casa de Antônio Lopes, nesse seleto grupo de estudiosos do Maranhão. O Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, o IHGM, é uma instituição de longa existência, por aqui passaram grandes nomes da nossa historiografia e intelectualidade, é uma agremiação precursora nos estudos da história do Maranhão, geografia, arqueologia, etnologia e etnografia, verdadeiro guardião de nossa cultura e memória.
Completará no dia 20 de novembro próximo, 87 anos de atividades contínuas. Quantas entidades, no nosso país e em particular, no nosso Estado, comemoram essa marca? Pouquíssimas.
É razoável que uma entidade com esse tempo, com essa trajetória, tenha passado por várias fases, momentos de ascensão e estagnação, faz parte da própria dinâmica histórica, mas uma característica se destaca nesse longo percurso do IHGM até aqui, a sua grande capacidade de superação e sua vontade em permanecer.
Fundado em 1925, chega até os dias atuais revigorado, ativo, atuante e fiel a seus objetivos. Busca se adequar às necessidades do século XXI, sem, no entanto, perder de vista suas tradições e fins.
Parece-nos assim, que o sonho de Antônio Lopes, sonhador impenitente, como ele mesmo dizia, idealizador e fundador desta associação, se realizou. Por ocasião do vigésimo primeiro aniversário do Instituto Histórico, dizia ele em tom profético:
Grava-se esta tertúlia como um testemunho da nossa fé em que ele viverá muito e muito e vencerá um dia plenamente a indiferença que mata [...], as associações literárias, artísticas e científicas. (LOPES, 1973)
A propósito, gostaria de registrar nos anais desta casa a passagem dos 123 anos de nosso patrono, Antônio Lopes, a qual rendo aqui, minhas homenagens. Ele nasceu na histórica cidade de Viana, no dia 25 de maio de 1889, no apagar das luzes da monarquia, há exatos 123 anos.
Antes de nos ater de forma mais pormenorizada ao patrono da cadeira de número 22 e fazer seu elogio, conforme estabelece o imperativo estatutário desta entidade, no seu artigo 11, gostaríamos de fazer um breve resgate dos ocupantes que nos antecederam. Foram quatro os meus antecessores, são eles, Domingos de Castro Perdigão, Fernando Eugênio dos Reis Perdigão, Raimundo Nonato Travassos Furtado e Carlos Orlando Rodrigues de Lima, nomes que ao seu tempo, contribuíram sobejamente para produção historiográfica, cultural e intelectual do Maranhão, deixando assim um importante legado.
Invertendo a ordem cronológica, começaremos pelo último ocupante da cadeira, o historiador Carlos de Lima, que nos deixou recentemente, há pouco mais de um ano, deixando uma grande lacuna na produção historiográfica sobre o Maranhão. Autor de uma vasta e variada obra, passeou por vários gêneros, começou como folclorista, onde iniciou sua carreira como escritor, em 1968, com o livro “Bumba meu boi”. Foi também cronista, contista e especialista em cultura popular maranhense.
Dentre os vários livros que publicou, podemos destacar, História do Maranhão, 1981; Vida, paixão e morte da cidade de Alcântara, 1997; Caminhos de São Luís, 2002 e Lendas do Maranhão, 2006. Carlos de Lima foi um infatigável pesquisador da história regional e sua cultura, teve uma vida longa, morreu aos 91 anos de idade, boa parte deles dedicados à pesquisa histórica.
Sua principal obra é certamente, “História do Maranhão”, que numa segunda edição, revista e ampliada, publicada pelo Instituto Geia, dividida em três volumes, monarquia(2006), império(2009) e república(2010), constitui-se numa importante fonte de informações e referências da história do Maranhão. Carlos de Lima, com sua “História do Maranhão” acabou entrando para própria história da historiografia maranhense, igualando-se a autores consagrados e entrando para o restrito rol dos historiadores que se aventuraram a escrever uma história do Maranhão, como Barbosa de Godóis (1904) e Mário Meireles (1960).
Raimundo Nonato Travassos Furtado, era vianense, nasceu em 1912 e faleceu em São Luís, em 1990. Foi um atuante jornalista, trabalhando em diversos jornais de sua época, como a Folha do Povo, O Combate, A Tribuna, Diário do Maranhão e o Diário do Norte.
Foi Deputado Estadual por dois mandatos, primeiro pelo PR, depois pelo PSD. Era também poeta, escreveu “No Mundo Encantado da Trova” e “Poema das Estrelas”. Pertenceu a diretoria deste sodalício, sendo diretor de divulgação.
O segundo a ocupar esta cadeira foi Fernando Eugênio dos Reis Perdigão, nasceu em São Luís, em 1908 e faleceu no Rio de janeiro, em 1990. Sucedeu seu pai no IHGM, Domingos de Castro Perdigão, sobre quem falaremos mais adiante.
Formou-se na Faculdade de Direito do Maranhão, onde depois se tornou Catedrático de sua sucessora, a Faculdade de Direito de São Luís. Exerceu vários cargos públicos durante sua vida, tanto em São Luís, como no Rio de Janeiro, onde foi diretor jurídico dos Diários Associados.
Foi também jornalista e escreveu em vários jornais de São Luís, inclusive o Imparcial. Escreveu o livro “Contribuição do Maranhão à Cultura Jurídica Brasileira” e pertenceu a Academia Maranhense de Letras. Em São Luís, há uma escola publica estadual de ensino médio, localizada à Avenida Castelo Branco no bairro do Monte Castelo batizada com seu nome.
O primeiro a ocupar esta cadeira, foi Domingos de Castro Perdigão, pinheirense, nasceu em 1.º de novembro de 1872, seus pais eram Domingos Tomaz Valez Perdigão e D. Maria Rita de Castro Perdigão. Pertenceu à geração de Antônio Lopes, os chamados “Novos Atenienses” que sucederam a geração do Grupo Maranhense, formada por Gonçalves Dias, João Lisboa, Odorico Mendes, Sotero dos Reis, entre outros.
Foi fundador da Faculdade de Direito do Maranhão, em 1918, um dos fundadores do IHGM, é patrono da cadeira de número 35. Fundador da Faculdade de Farmácia e Odontologia do Maranhão, em 1922. Foi Diretor durante vários anos da Biblioteca Pública do Estado, entre 1914 a 1923.
Designado por Bendito Leite, então Governador do Estado, representou o governo do Maranhão, no Rio de Janeiro por ocasião da Exposição Nacional de 1908, comemorativa do primeiro centenário da abertura dos portos do Brasil. Presidiu a Comissão responsável pela Exposição comemorativa do Tricentenário de Fundação de São Luís, em 1912. Publicou entre outras obras, “O Maranhão na Exposição Nacional de 1908”, 1910; “Álbum do Tricentenário, 1913”; “A Biblioteca Publica do Estado do Maranhão em 1914”. Faleceu em São Luís, no dia 5 de janeiro de 1929.
Por fim, é hora de biografar o patrono desta cadeira. César Augusto Marques nasceu na cidade de Caxias, Maranhão, no Largo do Poço, em 12 de novembro de 1826, filho de Augusto José Marques e da caxiense Maria Feliciana Marques. O pai era boticário, oriundo de Caldas da Rainha, Portugal que se estabeleceu em Caxias, em 1814. César Marques teve três irmãos, o Comendador Augusto César Marques, Adelaide Maria Marques e Guilhermina Maria Marques. Tinha ancestralidade na nobreza portuguesa, descendia dos Berredos de Lacerda e do famoso cronista colonial do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo e Castro, autor dos Anais Históricos do Estado do Maranhão.
Em 1844, com dezoito anos, César Marques foi para Portugal, fazer Matemática em Coimbra, mas após dois anos, foi obrigado a interromper os estudos e retornar ao Maranhão, pois a Universidade foi fechada em conseqüência das convulsões políticas que ocorriam em Portugal naquele momento.
Depois de um período de três anos que estava de volta ao Maranhão, resolve retomar seus estudos, dessa vez na área médica e em 1849 vai para Bahia, cursar medicina na Faculdade de Salvador. Conclui o curso em 1854, obtendo o grau de doutor em medicina com a tese “Breve memória sobre clima e moléstias mais freqüentes da província do Maranhão”, daí ser conhecido como Dr. César Marques, devido sua formação médica.
Na Bahia, casa-se com Maria Joaquina Regis, dessa união nasceu uma filha, Eugênia Laura Evangelina Marques. Nessa província deu início a sua carreira profissional entrando para o corpo médico do Exército Imperial, assumindo a patente de alferes, em seguida veio servir no Maranhão, sendo transferido em 1856 para Manaus, onde lecionou matemática no Liceu amazonense. No ano seguinte retorna novamente ao Maranhão, assumindo vários cargos ligados à saúde pública, como Provedor da Saúde do Porto e Secretário da Comissão de Higiene Pública. C om a segunda esposa, Rita de Cássia Marques, teve mais dois filhos, Augusto José Marques e João Batista Augusto Marques.
Em 1858, o Dr. César Marques é transferido novamente, dessa vez para a província do Piauí, a partir daí o vai e vem das transferências e o pouco tempo de permanência pelas várias províncias do norte, por força de sua condição de militar, acaba cansando-o, e ele então pede baixa da corporação militar.
É nesse momento, quando de sua saída do Exército Imperial, fixando residência em São Luís, com mais tranqüilidade, começa a se dedicar com mais afinco à pesquisa acerca da história do Maranhão, sempre conciliando as obrigações de médico com o ofício de historiador. Como médico, trabalhou no Seminário das Mercês, na Guarda Nacional e na Casa dos Educandos Artífices. Também foi professor de história no Seminário da Companhia dos Aprendizes de Marinheiros, mordomo da Casa dos Expostos e Delegado Literário da Freguesia de N. S. da Vitória.
Sua produção literária é vasta, começa quando ainda era acadêmico de medicina, em Salvador, lá, publicou em 1852, duas traduções do francês, “Provas da existência do outro mundo, fundadas sobre a natureza, história, filosofia e religião” e “ Conquistas da Religião Cristã”, de M.V. Robert.
Em São Luís sua produção historiográfica começa a tomar corpo a partir de 1861, quando publica o “Almanaque Histórico de Lembranças Brasileiras”, o primeiro de uma série de três, publicando os outros nos anos subseqüentes. Em 1862, lança “Breve memória sobre a introdução da vacina no Maranhão”. Dois anos depois, em 1864, já com certa bagagem em termos de pesquisas históricas sobre o Maranhão, César Marques, publica os “Apontamentos para o Dicionário Histórico, Geográfico e Estatístico da Província do Maranhão”, uma espécie de ensaio para sua obra mais importante, o Dicionário Históricogeográfico da Província do Maranhão de 1870.
A idéia de se publicar um dicionário histórico-geográfico sobre o Maranhão era algo que acompanhava César Marques desde a época da faculdade de Medicina, em Salvador. Segundo ele, fora sugerido por dois amigos, o Arcebispo da Bahia, D. Romualdo Antônio de Seixas, Marquês de Santa Cruz e o Coronel Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, que constantemente insistiam em cobrá-lo tal empreendimento. Sobre isso, assinala Marques (1970):
Dada a palavra, buscamos logo satisfazê-la, e por isso julgamos prudente estudar, e estudar muito a História Pátria.
A publicação do Dicionário Históricogeográfico da província do Maranhão, pela Tipografia do Frias, 1870 e mesmo sua primeira versão, na forma de apontamentos, 1864, representou algo inovador na época, pela abrangência da obra e totalidade como busca tratar a história do Maranhão. Tivera uma recepção elogiosa na imprensa, rendendo a seu autor muito prestigio como historiador, dentro e fora da província, recebendo importantes condecorações, tais como Cavaleiro da Real Ordem Militar Portuguesa de Nosso Senhor Jesus Cristo, concedida pelo Rei de Portugal e a Imperial Ordem da Rosa, conferida por D. Pedro II.
César Marques publicou ainda, “Aos meus meninos, contos úteis”, 1872; “Discurso que por ocasião de colocação da pedra fundamental para a edificação do prédio, onde deve funcionar a escola pública da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição”, 1873. Traduziu no mesmo ano, 1874, pela primeira vez para o português, os dois livros dos capuchinhos franceses, “História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças de Claude D`Abbeville,1614 e Viagem ao Norte do Brasil feitas no ano de 1613 a 1614 de Yves D`Evreux, 1615, além de inúmeros artigos publicados em jornais e revistas.
Foi membro de diversas sociedades literárias e científicas regionais, nacionais e estrangeiras, sócio correspondente de praticamente todos os Institutos Históricos provinciais de sua época, fundados a partir de 1862 e 1863, como o pernambucano e o baiano respectivamente. Participou da fundação do primeiro Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão no século XIX, a exemplo do que ocorria nas demais províncias do país, principalmente as do norte. Nesse sentido, afirma Nicolau Dino, no seu livro “O Visconde de Vieira da Silva” (1974):
Em 28 de julho de 1864, Luiz Antônio Vieira da Silva era aclamado presidente do Instituto Histórico e Geográfico que se fundava naquele dia, em casa de Augusto Marques e com a colaboração deste, do Tenente Coronel Ferreira, padre Dr. Cunha, João da Mata, Dr. César Marques, Dr. Tolentino Machado, Tenente Coronel João Vito, Dr. Tolentino Rêgo, Pedro Guimarães e Frei Caetano. (grifo nosso)
Segundo Raimundo Nonato Cardoso, na apresentação da segunda edição do Dicionário Históricogeográfico (1970), César Marques já se encontrava no Rio de Janeiro em 1875, ocupando o cargo de Reitor do Internato do imperial Colégio Pedro II, ficando no cargo até 1880, quando foi sucedido por seu comproviciano Antônio Henriques Leal. Na capital do Império, publicou “A província do Maranhão, breve memória”, 1876 e “Dicionário histórico, geográfico e estatístico da província do Espírito Santo”, 1878, resultado de uma encomenda feita pelo presidente dessa província.
Tendo livre acesso ao rico acervo do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, o IHGB, do qual era membro, assim como aos demais arquivos do Império na Corte, tendo consultado talvez os famosos documentos da Câmara de São Luís do período colonial, levados para Corte por Gonçalves Dias em 1851, em missão do governo imperial, César Marques continuo no Rio de Janeiro suas pesquisas sobre o Maranhão e trabalhava numa segunda edição revista e ampliada do seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, cuja publicação estava prevista para 1882 e que acabou não ocorrendo.
O Dicionário Históricogeográfico só foi ter sua segunda edição, em 1970, patrocinada pela então SUDEMA (Superintendência do Estado do Maranhão). Em 2009, ganhou uma terceira edição, revista e ampliada pelo escritor Jomar Moraes, ex-presidente da Academia Maranhense de Letras. Continua a ser ainda hoje, obra valiosa, fundamental e de referência para todos aqueles que estudam e pesquisam qualquer assunto sobre a história do Maranhão. César Marques morreu aos 73 anos, em 5 de outubro de 1900, na casa do filho João Batista, no Rio de Janeiro.
Muito Obrigado!
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