Por Maria
de Lourdes Lauande Lacroix
A
historiografia maranhense dispõe de alguns trabalhos relacionados aos primeiros
momentos da colonização, inclusive aos atributos e feitos do primeiro
Capitão-mor da Capitania do Maranhão, futuro estado autônomo, compreendendo o
que hoje corresponde grosso modo a uma área do Ceará ao Amazonas. Livros,
cartas, relatórios, contratos deixados pelos franceses, além de crônicas e
trabalhos escritos por portugueses e brasileiros permitem o acompanhamento das
diversas interpretações daqueles primeiros fatos e da personalidade do
capitão-mor.
A
Jornada do Maranhão contém uma descrição minuciosa da fase final da presença
francesa na Ilha, com detalhes indicadores de como o projeto da “nova França”
foi bem elaborado e as realizações de La Ravardière. Descreve também o ambiente
da nau Capitânea, o gabinete do Comandante, com globo e outros instrumentos de
pesquisa, os entendimentos com franceses e visitas de portugueses a Upaon-Açu.
Jamais Diogo de Campos Moreno se referiu a uma cidade ou mesmo vila na Ilha.
Alude ao “forte”, ao “hábito da ordem” ao “porto”, não tendo porque ocultar a
existência do embrião de uma cidade.
Bettendorff,
jesuíta em missão no Estado do Maranhão, de 1661 até quando faleceu em 1698,
escreveu a Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão.
Inicia o quarto capítulo reportando-se a Cláudio d’Abbeville na Ilha do
Maranhão, em companhia de La Ravardière, decidido a povoar a região. Muito
lacônico a respeito da Ilha, escreve: “para pois dar alguma breve notícia
della, digo com o dito autor, e pelo que me consta por ter morado nella muitos
annos, que é a em que depois de expulsados os Francezes se edificou a Cidade de
S. Luiz, cabeça de todo o estado do Maranhão”.
Berredo,
Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, entre os anos de 1718 a 1722,
autor dos Annaes Históricos, publicado em 1756, em Florença, reportando-se a
Jerônimo de Albuquerque, ressalta sua posição de Fidalgo da Casa Real, homem
honrado, virtuoso e equilibrado, injustiçado pela decisão “errada” do
governador Gaspar de Sousa em descredenciá-lo, o que não impediu o velho
capitão de “mostrar-se superior às naturaes paixões do animo...” e cumprir as
ordens do novo chefe de fundar uma cidade “naquelle mesmo sítio” junto ao forte
dos franceses e “dentro de pouco tempo adiantou tanto a Povoação...” e “lhe
declarou invocação de S. Luiz; ou fosse porque estando tão conhecida já aquella
Ilha pela natural participação da sua Fortaleza, se não atreveo a confundir-lhe
o nome com a mudança delle; ou porque quiz na conservação desta mesma memória
segurar melhor a sua nas recommendações da posteridade.”
Gaioso,
radicado no Maranhão de 1787 até sua morte em 1813, elaborou o Compêndio
Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão, publicado por sua
viúva, em 1818. Em relação ao início da capital maranhense, escreveu:
“Livre
o Maranhão n’aquelle dia de toda a sugeição franceza, aplicou Jerônimo de
Albuquerque todo o seu cuidado na fundação de huma cidade n’aquelle mesmo
sítio; dentro de pouco tempo adiantou consideravelmente a povoação”, e
continua, reproduzindo as palavras de Berredo: “lhe declarou a invocação de S.
Luiz, ou porque estando já tão conhecida aquella ilha pela participação de sua
fortaleza, ou porque não quis confundir o nome com a mudança delle, ou finalmente,
porque se lisongeava na conservação a mesma memória, segurar melhor as suas recomendaçoens
na posteridade”.
O
sítio referido por Gaioso foi descrito por Yves D’Evreux como um aterramento
planejado pelos franceses e executado pelos nativos em frente do Fort Saint
Louis, para treinamento da soldadesca gaulesa.
Em
1826 foi publicado Poranduba Maranhense, de Frei Francisco de Nossa Senhora dos
Prazeres, escrito em 1819. Mencionando os primeiros anos de administração
portuguesa no Maranhão, o frade registrou:
“Jerônimo
de Albuquerque fundou logo junto à fortaleza de São-Luiz uma cidade (debaixo da
proteção de Maria Santíssima com o título de Victoria que já lhe tinha
decretado em Guaxenduba) com a invocação de São-Luiz; e a fortaleza d’este nome
teve aqui por diante o de São-Filipe...”
O
Comendador Antônio Joaquim de Melo, em seu trabalho Biografias de alguns Poetas
e homens ilustres da Província de Pernambuco, publicado em 1856, afirmou: “São
Luis tem a lisonjeira circunstância de ser obra, e troféu glorioso de um
brasileiro imortal, filho de Olinda, timbre em que se não decoram as demais
capitanias e Províncias do Brasil”.
Em
1870, César Marques, no Dicionário Histórico-Geográfico da Província do
Maranhão, reportou-se à fundação da cidade de São Luis, registrando:
“Jerônimo
de Albuquerque, inteiramente senhor de suas ações e livre dos cuidados
inerentes à guerra, aplicou-se à fundação da cidade, hoje de São Luis, como lhe
fora recomendado pela Corte de Madrid”. Henriques Leal, em 1874, atribuiu a
Jerônimo de Albuquerque a edificação e arruamento da cidade e, inclusive, deu
princípio ao palácio, “que ainda hoje serve de morada aos governadores, com
mais algumas obras”.
Ferdinand
Denis trabalhou na divulgação dos escritos dos capuchinhos franceses,
publicando, em 1864, o trabalho até então inédito de Yves D’Evreux, Viagem ao
Norte do Brasil Feita nos anos de 1613 a 1614.
Naquela
edição, acrescentou “Introdução e Notas” e ao final, “Notas Críticas e
Históricas sobre a Viagem do Padre Yves D’Evreux”. Sobre a fundação da cidade,
Denis registra:
“Depois
da expulsão dos franceses, foi Jerônimo d’Albuquerque nomeado capitão-mor do
Maranhão, sendo Francisco Caldeira Castelo Branco designado para continuar os
descobrimentos e conquistas nas regiões do Pará”.
“Dos
esforços combinados desses dois oficiais, resultou a fundação da risonha cidade
de São Luís e da de Belém”.
“Estas
duas cidades edificaram-se pacificamente, sem oposição dos índios, que até
ajudaram os consideráveis trabalhos exigidos para a construção delas... “ Nas
“Notas Críticas e Históricas” contradiz a observação anterior ao afirmar que
“segundo a Notícia que nos dirige [...] entregou La Ravardière ao comandante
português a cidade nascente e a fortaleza de São Luís...”. Entretanto, em
nenhum trecho do seu relato Yves D’Evreux referiu-se à “cidade nascente”.
Barbosa
de Godois publicou, em 1904, um dos primeiros compêndios de História do
Maranhão, para ser utilizado pelos alunos secundaristas da Escola Normal.
Mantém a interpretação ao afirmar: “De posse do governo do Maranhão, Jerônimo de
Albuquerque, cumprindo as ordens que recebeu da Corte de Madrid, tratou com
solicitude da fundação da cidade, dando o nome de São Luiz”.
Este
foi o entendimento corrente até a primeira década do século XX. Em 1912, José
Ribeiro do Amaral, de grande projeção social, professor do Liceu, membro
fundador da recém criada Academia Maranhense de Letras e autor de alguns
trabalhos, sem se reportar à interpretação existente, deu uma nova versão sobre
a fundação de São Luís, no trabalho intitulado Fundação do Maranhão. Vinculou a
cidade aos franceses e a La Ravardière, apoiado na descrição da missa celebrada
pelos capuchinhos franceses, a 8 de setembro de 1612, considerando-a o
“verdadeiro auto da fundação da cidade”. O livro dedicado “Ao Espírito Superior
da Missão Franceza de 1612”, fazia parte de um programa de comemorações, com
apoio em círculos intelectuais, que transformou os trezentos anos da chegada da
missão de La Ravardière em efeméride da “fundação de São Luís”. Ribeiro do
Amaral integrou o grupo dos Novos Atenienses, liderado por Antônio Lobo e
voltado para o revivescimento das tradições culturais do “período áureo” da
literatura e do jornalismo. O momento dos Novos Atenienses é caracterizado pelo
aprofundamento das formulações decadentistas, uma idealização do passado que
possui marcas profundas na cultura maranhense. A ideia da “fundação francesa”
seria difundida entre os acadêmicos, adquirindo um estatuto de verdade
histórica inquestionável, apenas no início da década de 1960, com os trabalhos
de Mário Martins Meireles, História do Maranhão e França Equinocial.
(LACROIX,
Maria de Lourdes Lauande. Jerônimo de Albuquerque do Maranhão, guerra e
fundação no Brasil colonial.São Luís: UEMA/UNIGRAF, 2006, p. 147-160)
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