sábado, 16 de novembro de 2013

Jerônimo de Albuquerque Maranhão e a fundação de São Luís




Por Maria de Lourdes Lauande Lacroix


A historiografia maranhense dispõe de alguns trabalhos relacionados aos primeiros momentos da colonização, inclusive aos atributos e feitos do primeiro Capitão-mor da Capitania do Maranhão, futuro estado autônomo, compreendendo o que hoje corresponde grosso modo a uma área do Ceará ao Amazonas. Livros, cartas, relatórios, contratos deixados pelos franceses, além de crônicas e trabalhos escritos por portugueses e brasileiros permitem o acompanhamento das diversas interpretações daqueles primeiros fatos e da personalidade do capitão-mor.

A Jornada do Maranhão contém uma descrição minuciosa da fase final da presença francesa na Ilha, com detalhes indicadores de como o projeto da “nova França” foi bem elaborado e as realizações de La Ravardière. Descreve também o ambiente da nau Capitânea, o gabinete do Comandante, com globo e outros instrumentos de pesquisa, os entendimentos com franceses e visitas de portugueses a Upaon-Açu. Jamais Diogo de Campos Moreno se referiu a uma cidade ou mesmo vila na Ilha. Alude ao “forte”, ao “hábito da ordem” ao “porto”, não tendo porque ocultar a existência do embrião de uma cidade.

Bettendorff, jesuíta em missão no Estado do Maranhão, de 1661 até quando faleceu em 1698, escreveu a Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Inicia o quarto capítulo reportando-se a Cláudio d’Abbeville na Ilha do Maranhão, em companhia de La Ravardière, decidido a povoar a região. Muito lacônico a respeito da Ilha, escreve: “para pois dar alguma breve notícia della, digo com o dito autor, e pelo que me consta por ter morado nella muitos annos, que é a em que depois de expulsados os Francezes se edificou a Cidade de S. Luiz, cabeça de todo o estado do Maranhão”.

Berredo, Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, entre os anos de 1718 a 1722, autor dos Annaes Históricos, publicado em 1756, em Florença, reportando-se a Jerônimo de Albuquerque, ressalta sua posição de Fidalgo da Casa Real, homem honrado, virtuoso e equilibrado, injustiçado pela decisão “errada” do governador Gaspar de Sousa em descredenciá-lo, o que não impediu o velho capitão de “mostrar-se superior às naturaes paixões do animo...” e cumprir as ordens do novo chefe de fundar uma cidade “naquelle mesmo sítio” junto ao forte dos franceses e “dentro de pouco tempo adiantou tanto a Povoação...” e “lhe declarou invocação de S. Luiz; ou fosse porque estando tão conhecida já aquella Ilha pela natural participação da sua Fortaleza, se não atreveo a confundir-lhe o nome com a mudança delle; ou porque quiz na conservação desta mesma memória segurar melhor a sua nas recommendações da posteridade.”

Gaioso, radicado no Maranhão de 1787 até sua morte em 1813, elaborou o Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão, publicado por sua viúva, em 1818. Em relação ao início da capital maranhense, escreveu:

“Livre o Maranhão n’aquelle dia de toda a sugeição franceza, aplicou Jerônimo de Albuquerque todo o seu cuidado na fundação de huma cidade n’aquelle mesmo sítio; dentro de pouco tempo adiantou consideravelmente a povoação”, e continua, reproduzindo as palavras de Berredo: “lhe declarou a invocação de S. Luiz, ou porque estando já tão conhecida aquella ilha pela participação de sua fortaleza, ou porque não quis confundir o nome com a mudança delle, ou finalmente, porque se lisongeava na conservação a mesma memória, segurar melhor as suas recomendaçoens na posteridade”.

O sítio referido por Gaioso foi descrito por Yves D’Evreux como um aterramento planejado pelos franceses e executado pelos nativos em frente do Fort Saint Louis, para treinamento da soldadesca gaulesa.

Em 1826 foi publicado Poranduba Maranhense, de Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, escrito em 1819. Mencionando os primeiros anos de administração portuguesa no Maranhão, o frade registrou:

“Jerônimo de Albuquerque fundou logo junto à fortaleza de São-Luiz uma cidade (debaixo da proteção de Maria Santíssima com o título de Victoria que já lhe tinha decretado em Guaxenduba) com a invocação de São-Luiz; e a fortaleza d’este nome teve aqui por diante o de São-Filipe...”

O Comendador Antônio Joaquim de Melo, em seu trabalho Biografias de alguns Poetas e homens ilustres da Província de Pernambuco, publicado em 1856, afirmou: “São Luis tem a lisonjeira circunstância de ser obra, e troféu glorioso de um brasileiro imortal, filho de Olinda, timbre em que se não decoram as demais capitanias e Províncias do Brasil”.

Em 1870, César Marques, no Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, reportou-se à fundação da cidade de São Luis, registrando:

“Jerônimo de Albuquerque, inteiramente senhor de suas ações e livre dos cuidados inerentes à guerra, aplicou-se à fundação da cidade, hoje de São Luis, como lhe fora recomendado pela Corte de Madrid”. Henriques Leal, em 1874, atribuiu a Jerônimo de Albuquerque a edificação e arruamento da cidade e, inclusive, deu princípio ao palácio, “que ainda hoje serve de morada aos governadores, com mais algumas obras”.

Ferdinand Denis trabalhou na divulgação dos escritos dos capuchinhos franceses, publicando, em 1864, o trabalho até então inédito de Yves D’Evreux, Viagem ao Norte do Brasil Feita nos anos de 1613 a 1614.

Naquela edição, acrescentou “Introdução e Notas” e ao final, “Notas Críticas e Históricas sobre a Viagem do Padre Yves D’Evreux”. Sobre a fundação da cidade, Denis registra:
“Depois da expulsão dos franceses, foi Jerônimo d’Albuquerque nomeado capitão-mor do Maranhão, sendo Francisco Caldeira Castelo Branco designado para continuar os descobrimentos e conquistas nas regiões do Pará”.

“Dos esforços combinados desses dois oficiais, resultou a fundação da risonha cidade de São Luís e da de Belém”.

“Estas duas cidades edificaram-se pacificamente, sem oposição dos índios, que até ajudaram os consideráveis trabalhos exigidos para a construção delas... “ Nas “Notas Críticas e Históricas” contradiz a observação anterior ao afirmar que “segundo a Notícia que nos dirige [...] entregou La Ravardière ao comandante português a cidade nascente e a fortaleza de São Luís...”. Entretanto, em nenhum trecho do seu relato Yves D’Evreux referiu-se à “cidade nascente”.

Barbosa de Godois publicou, em 1904, um dos primeiros compêndios de História do Maranhão, para ser utilizado pelos alunos secundaristas da Escola Normal. Mantém a interpretação ao afirmar: “De posse do governo do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, cumprindo as ordens que recebeu da Corte de Madrid, tratou com solicitude da fundação da cidade, dando o nome de São Luiz”.

Este foi o entendimento corrente até a primeira década do século XX. Em 1912, José Ribeiro do Amaral, de grande projeção social, professor do Liceu, membro fundador da recém criada Academia Maranhense de Letras e autor de alguns trabalhos, sem se reportar à interpretação existente, deu uma nova versão sobre a fundação de São Luís, no trabalho intitulado Fundação do Maranhão. Vinculou a cidade aos franceses e a La Ravardière, apoiado na descrição da missa celebrada pelos capuchinhos franceses, a 8 de setembro de 1612, considerando-a o “verdadeiro auto da fundação da cidade”. O livro dedicado “Ao Espírito Superior da Missão Franceza de 1612”, fazia parte de um programa de comemorações, com apoio em círculos intelectuais, que transformou os trezentos anos da chegada da missão de La Ravardière em efeméride da “fundação de São Luís”. Ribeiro do Amaral integrou o grupo dos Novos Atenienses, liderado por Antônio Lobo e voltado para o revivescimento das tradições culturais do “período áureo” da literatura e do jornalismo. O momento dos Novos Atenienses é caracterizado pelo aprofundamento das formulações decadentistas, uma idealização do passado que possui marcas profundas na cultura maranhense. A ideia da “fundação francesa” seria difundida entre os acadêmicos, adquirindo um estatuto de verdade histórica inquestionável, apenas no início da década de 1960, com os trabalhos de Mário Martins Meireles, História do Maranhão e França Equinocial.



(LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. Jerônimo de Albuquerque do Maranhão, guerra e fundação no Brasil colonial.São Luís: UEMA/UNIGRAF, 2006, p. 147-160)

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