terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Artigos do II Ciclo

ALCANCES INTERPRETATIVOS DE UMA
SOCIOLOGIA DAS COMEMORAÇÕES
HISTÓRICAS: o caso do IV Centenário de
SãoLuís/MA.

                                                                       

                                                    ALEXANDRE FERNANDES CORRÊA - UFMA*
                                                                                 alexandre.correa@pq.cnpq.br


Resumo


Texto no qual se apresentam as linhas introdutórias de uma sociologia dos ritos
comemorativos na sociedade moderna, considerando o caso empírico das
comemorações e festividades do IV centenário de ‘fundação’ da cidade de São Luís do
Maranhão.

Palavras-chave: Sociologia – Ritologia – Mitologia – Festas – Comemorações

Abstract

Brief text in which presents the principles of the sociology of commemorative rites in
modern society, seeing the empirical case of the celebrations and festivities of the fourth
centenary of 'foundation' of the city of São Luís do Maranhão.

Key-words: Sociology – Mitology – Parties – Celebrations – Ritology

Nesse texto vamos trabalhar com uma breve introdução à sociologia dos ritos
comemorativos na sociedade moderna. Pretendemos elaborar uma reflexão crítica sobre
alguns aspectos da construção social das comemorações históricas tomando como
objeto de análise interpretativa os centenários de fundação da cidade de São Luís do
Maranhão.
Almejamos, nessas breves páginas, revelar e destacar alguns aspectos
significativos desses processos rituais locais e compreender de que modo se estrutura o
perfil dessas comemorações, enfocando prioritariamente as festas ocorridas no decorrer
das décadas mais recentes do século XX, a partir o 350º aniversário celebrado em1962184
Tendo em vista alcançar as bases propícias para uma sócio-história dos ritos
comemorativos na sociedade moderna, pretendemos nessas linhas exploratórias,
apresentar as primeiras incursões em uma pesquisa ainda em andamento; analisando
alguns aspectos sobressalentes no processo de comemorações históricas da capital
maranhense, em pleno momento de organização das festas do seu IV centenário de
fundação histórica.

SIGNIFICADO CULTURAL DAS COMEMORAÇÕES

                                  "Não acredito em comemorações históricas que sejam autênticas."
                                                                                                          Evaldo Cabral de Mello

O historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello, por ocasião das
comemorações dos 200 anos de translado para o Rio de Janeiro da Família Real
Portuguesa, festejado nesse ano de 2008, manifestou sua desconfiança em relação a
essas práticas, afirmando sem rodeios, em entrevista para uma revista de circulação
nacional:

                               "Não gosto de celebrações de efemérides em geral. Não acredito em
                                comemorações históricas que sejam autênticas. Não quis me envolver nas
                                comemorações dos 500 anos do Descobrimento, por exemplo. Essa coisa de
                                fazer festa em torno de dom João VIº é armação de carioca para promover o
                                 Rio".

 Podemos seguir essa linha provocativa do historiador e colocar em foco o
significado cultural desse verdadeiro surto contemporâneo de comemorações históricas
de tudo185. Tudo ‘entra para a História’, todo acontecimento que seja digno desse epíteto
‘evento’, ‘vai entrar para história’, ‘para ser lembrado para sempre’ (Jeudy, 1990;
1995). ‘Entrar para a História’, é como ‘entrar para a eternidade’...
Nosso intuito aqui é tentar compreender as forças sócio-históricas que estão
subjacentes a esse desejo de ‘entrar para história’ a todo custo, comemorando
acontecimentos e eventos históricos, mesmo que sejam de expressão medíocre e trivial;
banalidade que se compensa pelo esforço hercúleo de mistificação midiática e
espetacularizada: verdadeira máquina de fabricar novos deuses e heróis de circunstância
(Moscovoci, 1990).
Arriscando uma perspectiva semiológica mais ousada, perscrutamos o que se
comemora, por exemplo, nos 400 anos de ‘fundação’ mítica do centro urbano antigo de
São Luís do Maranhão? Que lições podemos retirar dessas encenações modernas,
realizadas em ritos seculares cada vez mais sofisticados, liturgias cerimoniais
requintadas e teatralizadas?
Em poucas palavras, esse é o foco desse texto exploratório que coloca em cena
linhas de força interpretativa, merecendo a posteriori ajustes e afinações no decorrer de
uma pesquisa – como já adiantamos – ainda em andamento (Corrêa, 2011).

COMEMORAÇÕES, EVOCAÇÕES E CELEBRAÇÕES

Quatro séculos de história é muito tempo, em que se dão muitas transformações e
mudanças; mesmo tratando-se de uma cidade, é um longo processo de construção e
elaboração social e cultural. Tendo em vista esse processo de longa duração, em que se
estrutura a história das cidades, dos estados e dos países, compreende-se que tais
formações sempre serão marcadas por ritos comemorativos exaltando mitos originários
e fundadores186. Os centenários são ciclos evocativos em que se recuperam os
momentos de mudança e permanência das instituições sociais em grandes eventos,
estruturantes da vida ordinária das cidades, dos estados, dos países, dos povos e das
nações.
Esses eventos têm adquirido cada vez mais importância cultural e política na
sociedade moderna; é quando o poder se coloca em cenas teatrais (Balandier, 1994;
Canclini, 2003). No nosso caso aqui em tela, - a fundação do núcleo urbano antigo da
cidade de São Luís -, é inegável e indubitavelmente uma alusão efusiva a um dos
grandes momentos míticos da história do Maranhão, tornando-se crescentemente num
dos marcos e pilares mais profundos dos alicerces de enraizamento político da
sociedade civil local nas instituições e na cultura do Estado e, conseqüentemente, do
País (Holanda, 2006).
Etimologicamente, como é sabido, comemorar designa e significa o ato de
evocação da memória coletiva e social baseado em eventos do passado comum. No caso
de se tratar de um momento fausto e glorioso, comemorar é também celebrar e festejar.
Em particular com as rememorações acerca das origens históricas da cidade de
São Luís, nos remetendo à 1612, se pode dizer sem constrangimentos que para todos os
maranhenses esse evento dialético e polifônico, pleno de antagonismos e polarizações,
tem significados plenos de alta magnificência; constituindo um acontecimento histórico
de pompa para homens e mulheres locais, e também, podemos dizer, para todos os
brasileiros (Bosi, 1993).
Ao nos referirmos de passagem à etimologia, é curioso que um dos sentidos da
palavra ‘evocar’, seja ‘esconjurar’, isto é, ‘fazer jurar; tomar juramento a; exorcizar;
amaldiçoar; dirigir imprecações’; significados que podem ser contraditórios ao espírito
dos que pretendem ‘comemorar’ ou ‘celebrar’ uma data festiva. Mas, esse aspecto um
tanto idiossincrático pode muito bem ilustrar que as variações semânticas dos sentidos
das palavras, expressam a complexidade do fenômeno ritual na sociedade humana
(Maffesoli, 1985; 2001).
Veremos mais a frente no texto que essa complexidade sublinhada, de modo
algum encobre a positividade expressa nos ritos políticos corriqueiros, apenas
demonstra que sob a capa da superfície das obviedades escondem-se significados mais
profundos que cabe a semiologia dos ritos desvendar.
Sucede ainda que as vicissitudes das comemorações históricas ordinárias têm
carecido de uma avaliação crítica mais apurada. Tem-se repetido rotineiramente rituais que se realizam de modo irrefletido, cada vez mais debilitados e irônicos187, não
espelhando de modo ético a importância da data comemorativa; manifestam, ao
contrário, sentidos autoritários inconfessos (Chauí, 2001).
Ultimamente mesmo, presenciamos controvérsias e polêmicas que tiram de foco o
significado profundo das comemorações históricas nas sociedades modernas; em
debates provincianos que beiram o anedótico188. Desse modo pode ser útil renovar a
imaginação sociológica brasileira reivindicando uma reflexão mais apurada e sutil dos
sentidos sócio-históricos menos superficiais desses fenômenos comemorativos,
buscando mesmo as forças motrizes mais inconscientes da sua idéia e da sua memória.

COMEMORAÇÃO DO QUÊ?

Como se sabe, as comemorações históricas podem ser definidas de muitas
maneiras, mas preliminarmente podemos apontar para um esquema elementar; que se
peca pela simplicidade, ao menos nos auxilia nesse estágio da reflexão:
a) meios de exaltação patriótica ou de nacionalismos e regionalismos emocionais;
b) mecanismos de legitimação militante de ideologias políticas;
c) instrumentos de contestação política das instituições vigentes, etc.
Contudo, o esquema elementar delineado acima não deve marcar o seu sentido ou
significado, esgotando em definitivo a polissemia das comemorações históricas na
atualidade; trata-se apenas de um esforço classificatório preliminar, que, em outro texto
oportuno, será refinado por tipologias ‘sociológicas’ mais elaboradas.
Sem embargo, toda a história dos movimentos sociais modernos está marcada pelo
recurso às comemorações de fatos ou personalidades históricas como instrumento
(semióforos) de afirmação local, regional, nacional e, hoje em dia, em escala mundial.
Mega eventos mundiais, de grande impacto midiático – como exemplo recente as
Olimpíadas de Pequim em 2008 – dão conta da expressão do extraordinário e do
espetacular, como mercadoria cultural poderosa, penetrando todos os domínios da vida
cotidiana (Goffman, 1973; Canclini, 2003). Atingindo o âmago da questão, e
complementando com palavras mais diretas: “O espetáculo é o momento em que a
mercadoria ocupou totalmente a vida social” (Debord, 1997, p. 30).
É sabido também que uma cidade não precisa do fenômeno comemorativo para se
legitimar, pois sua história já está de tal modo enraizada na coletividade local, regional e
nacional – e de tal maneira está legalmente ancorada como traço irreversível da nossa
ordem geopolítica –, que não corre nenhum risco de perder sua legitimação no
imaginário social. Todavia, não comemorar seria a expressão de um colapso do sentido
que teria um impacto negativo de grande monta, nesse mesmo imaginário social,
sempre ávido por perpetuar-se de modo efusivo, contagiante e consensual.
Entrementes, é fato também conhecido de todos os interessados no tema, que nem
sempre os ‘aniversários’ das cidades são comemorados ou festejados; como foi o caso
de São Luís, que até 1902, não possuía uma data ‘fundadora’ comemorativa, elaborada
pelos órgãos oficias e estatais189. Esses rituais sócio-históricos começaram a ser
investidos em cerimoniais de pompa no decorrer do século XX, que mal acabou de se
apagar.
Desse cenário sobressaem algumas questões: por que tanta atenção recente a esse
fato, tanta expectativa e cerimônia em torno dessas comemorações? Trata-se de uma
atração ingênua pela efeméride redonda, do quarto centenário? Ou existem significados
latentes que precisamos colocar sob crivo analítico?
A história dos últimos cem anos da cidade foi tudo menos a de uma continuidade
institucional estável, de progresso e de afirmação da cidadania ludovicense; pelo
contrário, testemunhamos breves ciclos de desenvolvimento e longos ciclos de
decadência - o que nos leva a perguntar: o que vamos comemorar em 2012?
Da pesquisa percebemos que muitas expectativas se produziram no processo de
construção sociocultural dos ritos comemorativos. Comemorar o quarto centenário da
cidade de São Luís possui camadas de sentido que se podem destacar numa hagiografia
do ufanismo histórico: a) invocando uma suposta ‘fundação’ francesa (baseada na
primeira missa de 2012); b) invocando o início de sua ‘urbanização’ lusitana190
(armistício em 27 de novembro de 1614).
Entretanto, o que vemos se configurar de modo hegemônico e quase consensual é
o trabalho de 'ocultamento' espetacular das dificuldades e das provações da vida
cotidiana de sua população sofrida, ao longo destes séculos passados. Apesar de esses
dados estarem estampados para todos nos índices de desenvolvimento humano das
agências de estatística econômica e social, difunde-se a idéia de que a comemoração só
pode exaltar os aspectos positivos.
Observa-se ainda o esforço em transformar as comemorações pelo quarto
centenário da capital maranhense numa 'revanche' anti-decadentista, aproveitando o
momento econômico favorável, evitando assim uma manifestação de nostalgia e
melancolia encenada, seja em alusão a algum mítico ‘heroísmo’ gaulês primevo, da
finada França Equinocial (Pianzola, 1992; Daher, 2007; Mariz, 2007); seja pelo
lusitanismo, ainda que recalcitrante (Lacroix, 2002). Debalde, é certo que a tão
propalada campanha de desmistificação da mentira191 do mito do 'pai' fundador francês
cai num equívoco semântico igualmente agudo e grave, ao confundir apressadamente o
significado do termo mito, com a noção de ideologia; reduzido também ao sentido de
ilusão, engodo e falsa consciência.
Como já adiantou Roland Barthes (1972), o mito é uma fala histórica, que merece
ser analisado através de uma hermenêutica semiológica apurada e laboriosa. E como
tem defendido uma Antropologia Simbólica renascida, os mitos nos remetem as
narrativas de origem e de fundação dos sistemas simbólicos e culturais (Lévi-Strauss,
1975). Confundir e reduzir a palavra mito, a um sentido comum, ou do léxico,
confundido negativamente com fábula, imaginação, ou quimera, é perder de vista um
vasto continente de significados profundos da vida humana (Eliade, 1998).
Nossa tarefa, ao contrário, deve ser interpretar os tais mitos, decifrar seus
significados, sua linguagem cifrada, seus deslocamentos, para além da batalha
iluminista e cartesiana da defesa intransigente de uma verdade positivista (e
historiográfica). Estamos aqui atingindo a dimensão do sagrado, do laço social
entendido a partir de uma perspectiva durkheimiana; na direção de uma análise das
metamorfoses do sentido do sagrado nas liturgias políticas contemporâneas (Riviére,
1989; Isambert, 1992).
Não se trata então de determinar em que consiste ou não o ato, ou rito, fundador
de equipamentos como feitorias, colônias, cidades, vilas, aldeias, bairros, etc. Para além
de nos flagelarmos com acusações de mitomania – reificando ou definitivamente se
emaranharando na malfadada mitologia da 'terra das mentiras' – é mais interessante
ativar a nossa imaginação sociológica e, de fato, enfrentar o desafio da interpretação
histórica e mítica desses fenômenos culturais em foco.
Não se espera que o quarto centenário do núcleo urbano original da cidade de São
Luís seja comemorado de um ponto de vista passadista; parece que se ergue a aposta
numa ação prospectiva, de aprender com o passado para construir o futuro; em termos
de uma reflexão sobre como aperfeiçoar, melhorar e transformar a realidade adversa.
Talvez seja positivo aproveitar a difusão de uma mentalidade em que comemorar
o quarto século da cidade seja tanto mais interessante quanto nos preocuparmos em
realizar um quinto século melhor do que os anteriores; algo que parece emergir no
imaginário social local, quando se escuta as críticas e recusas expressas de diversas
formas pela mídia e no cotidiano.
Em outras palavras deveria ser uma boa oportunidade de se pensar qual é o
‘futuro’ do ‘passado’ da cidade e de realimentar o imaginário democrático combalido e
estropiado, promovendo a participação de todos nesse evento inexorável. O certo é que
se tem deixado nas mãos dos tecnocratas, especialistas marqueteiros e dos políticos de
plantão, a organização e a gestão dessas comemorações espetacularizadas; entregando a
esses personagens a oportunidade se perpetuar para sempre na memória da cidade.
Esse cuidado a cidadania ludovicense parece reivindicar, resistindo a captura de
sentido autoritária e imprimindo um novo significado ao acontecimento político e social
que se anuncia, em data já marcada.

DIMENSÕES DAS COMEMORAÇÕES

Há um consenso difundido na cidade que as comemorações do seu quarto
centenário têm de estar à altura da importância dos acontecimentos que evocam e
celebram. Todos admitem que as comemorações não podem ser um exercício fútil,
oportunista, ocasional, nem displicente. Deve ter visibilidade geral e o maior impacto
possível.
Antes de mais, importa identificar os temas ou conteúdos das comemorações nas
suas dimensões essenciais (comemorar o quê?). De fato, elas não se limitam a evocação
e a celebração do 8 de setembro de 1612192, antes abarcam todos os aspectos relevantes
dessa herança histórica, desde as origens à atualidade; envolvendo os diferentes
segmentos étnicos, culturais e sociais.
Enunciam-se ainda as formas de exteriorização das comemorações nas suas
diversas vertentes (comemorar como?). Na verdade, as comemorações não se limitariam
a cerimônias oficiais mais ou menos grandiosas, antes se manifestam também em ações
de estudo e investigação, em iniciativas culturais e em atividades educativas, sem
esquecer a vertente comunicacional e a dimensão festiva, sem as quais as
comemorações do Quarto Centenário estariam condenadas a um exercício sem
visibilidade ou destaque193.
Além disso, parece cristalizar-se a ideia de que as comemorações históricas do
quarto centenário da cidade deveriam ficar marcadas pelo enriquecimento do patrimônio
local, regional e nacional; quer do patrimônio científico e artístico, quer especialmente
do patrimônio cultural e arquitetônico, através da criação de novas instituições culturais
e ambientais194 ou de obras arquitetônicas de relevo, deixando uma marca visível do
quarto centenário na paisagem da cidade, comunicando-se com o futuro da urbe195.
Quanto aos seus destinatários, as comemorações, celebrações e festejos não
pretendem envolver apenas os protagonistas políticos e as elites sociais e culturais. Pois,
como se pode apreender das falas e discursos de agentes públicos e do cidadão comum,
considera-se que – sem prejuízo das suas componentes científica, acadêmica e erudita –,
os ritos comemorativos deveriam ser uma manifestação essencialmente popular, com
ampla participação social.
O quarto centenário de São Luís parece catalizar diferentes camadas sociasi
econômicas da cidade, tornando-se um fator multiplicador de novos processos de
identificação cultural e coletiva e de formulação de novas idéias para o futuro das
instituições locais, estaduais e do País. Apesar das contradições e adversidades
expressas em diferentes momentos, observa-se de forma latente, um desejo de que não
se perca essa oportunidade. Todavia, tal latência parece ser obstacularizada por uma
inércia residual poderosa196. Aguardemos os desdobramentos desse processo com
serenidade, até porque não há motivo para farfúncia, ou farfalhice, já que a festa se
anuncia para o ano que vem.


________________
*Este artigo foi publicado originalmente na Revista Eletrônica do IHGM.
  Disponível:http://issuu.com/leovaz/docs/revista_ihgm_39_-_setembro_2011. Acesso: 10/01/2012.

NOTAS
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184 Como se sabe as festas comemorativas referente à fundação da cidade só começaram a ocorrer a partir de 1902, no terceiro centenário; momento no qual começa a se construir a versão mítica da “fundação francesa” (Lacroix, 2002).
185 Ciclo comemorativo que se intensifica com as festas do bicentenário de Independência dos Estados Unidos da América (1776) e renova-se com as celebrações do bicentenário da Revolução Francesa de 1789. Ciclo de comemorações e festas democráticas, que se associa ao ciclo de comemorações e festas
pelo bicentenário de independência dos estados nacionais republicanos latino-americanos, a partir da Independência do Haiti, em 1808.
186 Para uma definição de rito recorremos a Jean Cazeneuve, que em poucas palavras apresenta o seguinte
uso do termo: “um ato que se repete e cuja eficácia é, ao menos em parte, de ordem extra-empírica” (S/D, p. 14).
187 Nesse ponto cabe lembrar as palavras de George Marcus e Michael Fischer, analisando a realidade
estadunidense: “(...) de la aparente homogeneizacion de las formas institucionales contemporáneas de
la vida social, sobre todo ahora, cuando parece registrarse un debilitamiento de las tradiciones
representadas en forma pública. Se ha señalado que los rituales públicos estadunidenses, por ejemplo,
son cada vez más irónicos, lo cual parece ser una condición especialmente moderna: los participantes u
observadores “perspicaces” de los rituales no consideran que estén revestidos de una verdad cósmica o
sagrada, sino que los ven como una manifestación colectiva más entre otras igualmente válidas, que
puede suscitar una catarsis momentánea, pero que tiene sobre sus ejecutantes o en su publico una
influencia cognitiva poco duradera” (Marcus, 2000, p.81).
188 Fenômeno pelo qual se pode identificar certa síndrome melancólica, ao sugerir de modo ambíguo a
impossibilidade da comemoração. Expressão do colapso do sentido, ou da catástrofe simbólica, ao
rejeitar qualquer possibilidade de celebração, aludindo neuroticamente a uma autenticidade perdida e
jamais recuperada; não alcançada, porque impossível
189 Lembramos que só a partir de 1902 que São Luís começou a festejar sua ‘suposta’ fundação gaulesa.
190 Sobre a aludida ‘fundação’ lusitana, o professor Olavo Correia Lima na Revista do IHGM (N.16/1993) atribui a ‘fundação’ da cidade a Jerônimo de Albuquerque, no dia 27 de novembro de 1614; data de assinatura do armistício, marcando a derrota e expulsão dos ‘invasores’ franceses. Jerônimo de
Albuquerque, pelo que consta nos documentos históricos, ao ser nomeado Capitão-Mor da Província,
determinou que o Engenheiro-Mor do Reino Francisco Frias de Mesquita providenciasse o desenho
uma planta da cidade de São Luís (nome curiosamente mantido), começando pelo primitivo pólo
francês (atual Avenida Pedro II), e seguindo pelo Largo do Carmo – com ruas estreitas e quadras
ortogonais regulares – em direção aos bairros do Desterro, Madre Deus e outros.
191 A origem da suposta ‘mentira histórica’ tem a seguinte versão: Durante três séculos, de 1612 a 1912,
nenhum historiador havia considerado a cidade de São Luís como uma cidade fundada por gauleses. A
mentira histórica teria começado com o fundador da Academia Maranhense de Letras, José Ribeiro do
Amaral, no texto intitulado “Fundação do Maranhão” publicado em 1912. Além dele Domingos
Ribeiro, no seu discurso na abertura da exposição em comemoração aos 300 anos, também alega e
defende veementemente a pretensa ‘fundação’ de São Luís pelos franceses.
192 Os franceses no dia 08 de setembro de 1612 foi um ato religioso, com celebração de missa católica,
com procissão, colocação e adoração de uma cruz, cataquese de indígenas, sob o som de cânticos
sacros. Pelo que temos consagrado pela historiografia, não se tratou propriamente de um ato político,
nem de ‘fundação’ de uma cidade, e o suposto fundador La Ravardière tampouco teria participado do
ato, por ser protestante.
193 Em futuro artigo, em que vamos apresentar novos desdobramentos da pesquisa, apontaremos para a
distinção sociológica entre dois modelos comemorativos concorrentes. De um lado o modelo que se
realiza nas sociedades centrais do capitalismo industrial avançado, no qual encontramos formas
comemorativas racionalizadoras, com investimentos em infra-estrutura e melhoramento das condições
reais de existência; de outro lado, o modelo que encontramos em São Luís, no qual o esquema festivo se
dá pela permanência e continuidade da estrutura e ideologia colonial, expressa de modo exemplar no
Triunfo Eucarístico de 1733, em Vila Rica; modelo hegemônico de festividade barroca (Pizarro, 1993).
194 Tais como os famosos Parque do Ibirapuera de São Paulo, inaugurado nos 400 anos da capital
paulista; e o Parque do Aterro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro.
195 Todavia de concreto temos a notícia de que, - além dos milhões de reais que serão gastos com a Via
Expressa, ligando dois Shopping Centers da cidade -, foram entregues para a Escola de Samba Beija-
Flor de Nilópolis, do Estado do Rio de Janeiro, 8 (oito) milhões de reais para o desfile de 2012, que
terá como tema os 400 anos de São Luís.
196 Cabe destacar que em 31 de outubro de 2011, em um Painel convocado pela Câmara Municipal de São Luís, foi colocado pelas autoridades participantes que a politicagem entre os três poderes federativos,
acabou por inviabilizar a realização dos projetos de infra-estrutura e socioculturais previstos, restando
apenas a realização dos festejos comemorativos. Tal aspecto será analisado em artigo posterior em que
distinguiremos os dois modelos comemorativos concorrentes: a) Esquema Organizativo; b) Esquema Festivo.

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