François de Razilly |
E,
no entanto, não é possível contar a história de São Luís sem mencioná-lo. Mais
do que isso, não é possível fazê-lo sem reconhecer-lhe o protagonismo no
nascimento da cidade, fundada a 8 de setembro de 1612.
Foi
ele quem comandou, ao lado de La Ravardière, a nau capitânia, grande e
fortemente armada, denominada Régent, em homenagem à Rainha Regente
Maria de Médicis, integrante da frota de três navios que partiu de Cancale rumo
ao Maranhão com aproximadamente 500 homens em 19 de março de 1612. Foi ele quem
batizou a Upaon-mirim dos tupinambás, ou Ilha Pequena, com o nome de Sant’Ana.
Foi ele o “grande morubixaba” gaulês nos contatos com Japi-açu, cacique
principal de toda a Ilha de São Luís na época. Foram ele e Daniel de la Touche
os lugares-tenentes-generais do Rei Luís XIII que selecionaram o local da
edificação do Forte São Luís. Quando Nicolas de Harlay volveu à França, o que
se deu pouquíssimo tempo depois da chegada ao Maranhão, este delegou ao nosso
fidalgo, militar católico de prestígio do gabinete real, os seus poderes. Ele
logo assumiu a posição de “senhor da colônia”, na precisa expressão de Lucien
Provençal. Nos breves meses que esteve no norte do Brasil, encarregou-se das
relações humanas, do reconhecimento da terra e da evangelização dos índios, com
a preciosa assistência dos frades capuchinhos, entre os quais os cronistas
Claude d’Abbeville e Yves d’Évreux.
Foi
ele a figura mais destacada a participar da cerimônia de 8 de setembro de 1612,
cujo ápice deu-se no erguimento e fixação da cruz, na benzedura da ilha e no
batismo do Forte São Luís e do Porto de Santa Maria, com a ativa participação
dos tupinambás, a qual representou a fundação oficial da colônia da França
Equinocial e o momento ritual da fundação da futura cidade de São Luís. A
propósito, foi exatamente ele quem batizou de São Luís, em homenagem ao Rei
Luís XIII, então menor, o forte que emprestaria o seu nome à cidade, da qual
constituiu o núcleo originário, igualmente formado pelas construções de apoio e
pelo Porto de Santa Maria. Claude d’Abbeville é deveras explícito neste ponto:
“Erguida a cruz, [...] foi também benzida a Ilha, enquanto dos fortes e dos
navios muitos canhonaços se disparavam em sinal de regozijo. O sr. de Rasilly
deu ao forte o nome de Forte São Luís, em memória eterna de Luís XIII, rei de
França e de Navarra [...]” (História da missão dos padres capuchinhos na
ilha do Maranhão. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1975, p. 73).
Sim,
La Ravardière não fundou sozinho São Luís. O cofundador da cidade, a quem esta,
na verdade, deve o nome, foi o Senhor de Razilly, de Oiseaumelle e de
Vaux-en-Cuon, nascido em 1578, originário da região de Touraine.
Já
na cerimônia de 1º de novembro de 1612 – de afirmação da autoridade da Coroa
francesa e cunho especificamente político e complementar àquela de 8 de
setembro –, em que os indígenas chantaram o estandarte real, contendo as armas
da França, junto da cruz anteriormente cravada no solo da Ilha do Maranhão, o
mesmo personagem e seu sócio La Touche decretaram as importantíssimas Leis
Fundamentais da França Equinocial, marco legal pioneiro de manifestação de
natureza constituinte elaborada nas Américas.
Foi
ainda o almirante Razilly quem, de volta à França, salvou da destruição um ou
mais exemplares, não obstante o desaparecimento de algumas partes, da obra Seguimento
da História das coisas mais memoráveis, ocorridas no Maranhão nos anos
de 1613 e 1614, de Yves d’Évreux, cuja publicação fora autorizada em 1615
para, logo em seguida, ser abortada.
E, todavia,
François de Razilly é o fundador esquecido de São Luís. Há aí, talvez, um quê
de ressentimento filial, de possível contorno freudiano, pelo fato de ele não
haver cumprido o seu compromisso de regressar ao Maranhão. Como “uma das velhas
glórias da França”, na avaliação de Ferdinand Denis, Razilly poderia, com sua
sólida experiência militar, sem dúvida, ter feito pender a balança para o lado
gaulês na Batalha de Guaxenduba, às portas de completar 400 anos. Mas, na
realidade, ele não abandonou a França Equinocial ou dela se desinteressou após
retornar à pátria, antes se viu abandonado pela Rainha Maria de Médicis e por
aqueles que, no princípio, o haviam apoiado na empreitada no norte do Brasil.
Gastou sua fortuna para rearmar a nau Régent e permaneceu na França até
lhe parecer perdida qualquer esperança de consecução de algum auxílio oficial à
colônia no Maranhão.
Ele
não merece, portanto, o esquecimento que lhe dedica a cidade que lhe deve muito
mais do que o nome.
Aproveito ainda o ensejo a informar que La Touche e Razilly estarão, por seus respectivos brasões de armas, a figurar no estudo em desenvolvimento de minha autoria, o Armorial Colonial do Maranhão e Grão-Pará.
ResponderExcluir(Não se publicou outro comentário meu, tendo refazê-lo)...
ResponderExcluirInteressante o estudo. Esses pormenores, de "menores" nada tem, pois enriquecem sobremaneira a narrativa histórica, dá-lhe nomes e rostos. Meus cumprimentos a autora.
Obrigada por seu comentário. Veja também o brasão da Academia Ludovicense de Letras, que homenageia as três naus da expedição de La Touche e Razilly. No fim do ano lançarei o livro 1612: os papagaios amarelos na Ilha do Maranhão e a fundação de São Luís, em que aprofundo o tema. Cordialmente, Ana Luiza Almeida Ferro
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