Do site do 2.º fHist
O
historiador Ronaldo Vainfas estará novamente no fHist. Nesta segunda edição do
festival, Vainfas participa da mesa "História para todos: os historiadores
e a democratização do conhecimento", realizada, no sábado, 21 de setembro,
a partir das 20 horas. Em entrevista, via e-mail, à jornalista Denise Menezes,
ele antecipa o foco de sua palestra no evento e opina sobre questões polêmicas
como a capacidade e o preparo do jornalista para escrever sobre história, e a
instituição e o trabalho da Comissão Nacional da Verdade.
"Acho importante que os fatos que o
regime militar procurou esconder ou distorcer sejam enfim divulgados, sobretudo
no caso dos militantes de esquerda 'desaparecidos'. Mas o nome da comissão é de
uma pretensão assustadora. Qual 'verdade'? Tudo indica que se trata de uma
'verdade política' na visão dos outrora vencidos, que hoje estão no
poder."
fHist - O senhor
vai participar da mesa redonda "História para todos: os historiadores e a
democratização do conhecimento". Qual o enfoque pretende dar à sua
apresentação?
R.V. - Antes de
tudo, "democratização" é um termo muito forte. Trata-se, antes, de
divulgação, difusão de um conhecimento que, durante muito tempo, ficou reduzido
a eruditos ou ao ambiente universitário. Não se trata de "história para
todos", senão para um público mais amplo. Neste sentido, meu enfoque será
o de que a produção do conhecimento histórico não é monopólio dos
historiadores de ofício. A história é uma disciplina aberta à contribuição de
intelectuais dotados de erudição histórica, alguns inclusive com pesquisa de
campo consistente. A capacidade narrativa conta muito.
fHist -
Considera que atualmente há maior difusão no Brasil de informação histórica? Em
caso positivo, o senhor avalia que essas informações têm chegado de modo
adequado ao público? Pode citar algumas iniciativas que contribuem para a
democratização desse tipo de conhecimento?
R.V. - Difusão
de informação histórica, aí sim, concordo com os termos. E acho que sim, nas
últimas décadas a história tem alcançado público mais vasto, como indica o
mercado editorial. Mas o próprio mundo universitário tem contribuído para o
alargamento do público. A massificação da universidade pública, que vem desde a
década de 1970, foi a base disso tudo. A primeira turma de história da atual
UFRJ, nos anos 1950, tinha cinco alunos! Hoje há milhares de estudantes de
história em todo o país, seja nas universidades públicas, seja nas
particulares. Por outro lado, desde os anos 1990 a mídia tem aberto bom espaço
para a história: entrevistas com historiadores, programas ou séries temáticas.
Agora mesmo a TV Senado montou um belo programa: O Brasil no olhar dos
viajantes. As editoras dedicadas às humanidades também se renovaram muito,
cuidando de publicar livros bem editados, ilustrados, etc. O livro de história passou
a ser um produto.
fHist - Qual a
sua opinião sobre essa multiplicação de livros com temática histórica escritos
por jornalistas? Considera que jornalistas estão preparados para tratar de
temas históricos?
R.V. - Depende
do jornalista, depende do tema. Há jornalistas que, além de escreverem bem,
fazem pesquisa original e dão contribuição inestimável. A obra do Gaspari sobre
a ditadura militar é um exemplo. Já não diria o mesmo de livros de jornalistas
que se limitam a fazer um texto ligeiro baseados em leitura de alguns livros ou
"reciclando", em linguagem coloquial, a pesquisa universitária dos
últimos anos. Neste caso, a qualidade não é a mesma. Trata-se de uma
vulgarização que, não raro, vem cheia de anacronismos e estereótipos. Mas,
ainda assim, esses livros divulgam a história, disso não tenho dúvida.
fHist - E sobre
as iniciativas que também se multiplicam no país para trazer a público fatos
relevantes ocorridos durante o período da ditadura militar, a exemplo da
instituição da Comissão Nacional da Verdade? O senhor as considera importantes?
Por que?
R.V. - Acho
importante que os fatos que o regime militar procurou esconder ou distorcer
sejam enfim divulgados, sobretudo no caso dos militantes de esquerda
"desaparecidos". Mas o nome da comissão é de uma pretensão
assustadora. Qual "verdade"? Tudo indica que se trata de uma
"verdade política" na visão dos outrora vencidos, que hoje estão no
poder. Esta não é a verdade factual que interessa ao historiador, que a busca
na pesquisa de fontes contraditórias, quando não opostas. Além disso, a
comissão é useira em "chover no molhado". Aquele depoimento do
coronel Ustra (Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército
Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na
repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil) é um
exemplo. Muitíssimos sabem, há tempos, que ele foi torturador, sabem o seu
codinome (doutor Tibiriçá), o de seus auxiliares, etc. Que novidade há
nisto? Vão punir os culpados? Claro que não, porque a lei da anistia não
permite. Então, vejo esta comissão, sem prejuízo do seu eventual mérito, como
um instrumento da atual ideologia estatal, incumbida de adensar a memória da
luta armada e celebrar os guerrilheiros. Mortos ou vivos, alguns vivíssimos.
Mas qual ideologia? A de que a luta armada defendeu a democracia contra a
ditadura militar. Ora, os antigos guerrilheiros bem sabem que não fizeram isto.
Lutaram por uma revolução esquerdista "iluminados" pelo exemplo
cubano. Se hoje dizem que lutaram pela democracia, devem ter os seus motivos. O
Zé Dirceu (José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no primeiro Governo Lula,
deputado federal cassado, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, um dos
condenados no processo do Mensalão), por exemplo, fez treinamento em Cuba
antes de voltar clandestino para o Brasil no início dos anos 1970. Vale, então,
a pergunta: desde quando Cuba se tornou escola de formação democrática?
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