terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ronaldo Vainfas retorna ao fHist

Do site do 2.º fHist

O historiador Ronaldo Vainfas estará novamente no fHist. Nesta segunda edição do festival, Vainfas participa da mesa "História para todos: os historiadores e a democratização do conhecimento", realizada, no sábado, 21 de setembro, a partir das 20 horas. Em entrevista, via e-mail, à jornalista Denise Menezes, ele antecipa o foco de sua palestra no evento e opina sobre questões polêmicas como a capacidade e o preparo do jornalista para escrever sobre história, e a instituição e o trabalho da Comissão Nacional da Verdade.
 "Acho importante que os fatos que o regime militar procurou esconder ou distorcer sejam enfim divulgados, sobretudo no caso dos militantes de esquerda 'desaparecidos'. Mas o nome da comissão é de uma pretensão assustadora. Qual 'verdade'? Tudo indica que se trata de uma 'verdade política' na visão dos outrora vencidos, que hoje estão no poder."
fHist - O senhor vai participar da mesa redonda "História para todos: os historiadores e a democratização do conhecimento". Qual o enfoque pretende dar à sua apresentação?
R.V. - Antes de tudo, "democratização" é um termo muito forte. Trata-se, antes, de divulgação, difusão de um conhecimento que, durante muito tempo, ficou reduzido a eruditos ou ao ambiente universitário. Não se trata de "história para todos", senão para um público mais amplo. Neste sentido, meu enfoque será o de que a produção do conhecimento histórico não é monopólio dos historiadores de ofício. A história é uma disciplina aberta à contribuição de intelectuais dotados de erudição histórica, alguns inclusive com pesquisa de campo consistente. A capacidade narrativa conta muito.
fHist - Considera que atualmente há maior difusão no Brasil de informação histórica? Em caso positivo, o senhor avalia que essas informações têm chegado de modo adequado ao público? Pode citar algumas iniciativas que contribuem para a democratização desse tipo de conhecimento?
R.V. - Difusão de informação histórica, aí sim, concordo com os termos. E acho que sim, nas últimas décadas a história tem alcançado público mais vasto, como indica o mercado editorial. Mas o próprio mundo universitário tem contribuído para o alargamento do público. A massificação da universidade pública, que vem desde a década de 1970, foi a base disso tudo. A primeira turma de história da atual UFRJ, nos anos 1950, tinha cinco alunos! Hoje há milhares de estudantes de história em todo o país, seja nas universidades públicas, seja nas particulares. Por outro lado, desde os anos 1990 a mídia tem aberto bom espaço para a história: entrevistas com historiadores, programas ou séries temáticas. Agora mesmo a TV Senado montou um belo programa: O Brasil no olhar dos viajantes. As editoras dedicadas às humanidades também se renovaram muito, cuidando de publicar livros bem editados, ilustrados, etc. O livro de história passou a ser um produto.
fHist - Qual a sua opinião sobre essa multiplicação de livros com temática histórica escritos por jornalistas? Considera que jornalistas estão preparados para tratar de temas históricos?
R.V. - Depende do jornalista, depende do tema. Há jornalistas que, além de escreverem bem, fazem pesquisa original e dão contribuição inestimável. A obra do Gaspari sobre a ditadura militar é um exemplo. Já não diria o mesmo de livros de jornalistas que se limitam a fazer um texto ligeiro baseados em leitura de alguns livros ou "reciclando", em linguagem coloquial, a pesquisa universitária dos últimos anos. Neste caso, a qualidade não é a mesma. Trata-se de uma vulgarização que, não raro, vem cheia de anacronismos e estereótipos. Mas, ainda assim, esses livros divulgam a história, disso não tenho dúvida.
fHist - E sobre as iniciativas que também se multiplicam no país para trazer a público fatos relevantes ocorridos durante o período da ditadura militar, a exemplo da instituição da Comissão Nacional da Verdade? O senhor as considera importantes? Por que?
R.V. - Acho importante que os fatos que o regime militar procurou esconder ou distorcer sejam enfim divulgados, sobretudo no caso dos militantes de esquerda "desaparecidos". Mas o nome da comissão é de uma pretensão assustadora. Qual "verdade"? Tudo indica que se trata de uma "verdade política" na visão dos outrora vencidos, que hoje estão no poder. Esta não é a verdade factual que interessa ao historiador, que a busca na pesquisa de fontes contraditórias, quando não opostas. Além disso, a comissão é useira em "chover no molhado". Aquele depoimento do coronel Ustra (Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil) é um exemplo. Muitíssimos sabem, há tempos, que ele foi torturador, sabem o seu codinome (doutor Tibiriçá), o de seus auxiliares, etc. Que novidade há nisto? Vão punir os culpados? Claro que não, porque a lei da anistia não permite. Então, vejo esta comissão, sem prejuízo do seu eventual mérito, como um instrumento da atual ideologia estatal, incumbida de adensar a memória da luta armada e celebrar os guerrilheiros. Mortos ou vivos, alguns vivíssimos. Mas qual ideologia? A de que a luta armada defendeu a democracia contra a ditadura militar. Ora, os antigos guerrilheiros bem sabem que não fizeram isto. Lutaram por uma revolução esquerdista "iluminados" pelo exemplo cubano. Se hoje dizem que lutaram pela democracia, devem ter os seus motivos. O Zé Dirceu (José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no primeiro Governo Lula, deputado federal cassado, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, um dos condenados no processo do Mensalão), por exemplo, fez treinamento em Cuba antes de voltar clandestino para o Brasil no início dos anos 1970. Vale, então, a pergunta: desde quando Cuba se tornou escola de formação democrática?
 
 

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